Pequeno dicionário ontológico

Por Marcelo Ariel

 

 

Pensar. Ato da linguagem realizado a partir da necessidade de compreensão de tudo o que é exterior ao corpo, principalmente dos movimentos internos da imaginação, tentativa de inteligir, compor o mundo segundo as noções do corpo. Necessidade de mundo anterior ao mundo. Visão organizadora dos movimentos de permanência e da anterioridade dos nossos atos. Se realiza de modo sublime quando acontece junto com o ato ou se transforma no ato, é perturbador quando impede o ato de se realizar. Objetivo do pensar, ser realizado pelo corpo inteiro e não apenas pelo cérebro.

Lucidez. Ao contrário do que diz Cioran, não é igual ao nada. Qual seria essa luz do nada? Como o nada é improvável e sempre há algo, onde pensamos não haver nada, a pergunta se converte em ‘Qual é  luz de algo?’. A lucidez de Lúcifer  parece uma boa frase mas é sutilmente  redundante, é o mesmo que  dizer ‘A luz da lâmpada’. A lucidez é um entrave para a fruição do topos intuitivo? Sinto que não. Qual relação entre ela e a revelação? É nula, quem confundiria marcas com sinais? Uns são guiados pelas marcas, outras por sinais. A lucidez dos animais não é um mito e talvez explique a opção de muitos pelo silêncio estratégico e de outros pelo silêncio transparente, ambos impenetráveis. A lucidez da polpa em ‘A reunião dos pássaros’ de Farid Attar. A concretude  do quadrado da lucidez em oposição ao círculo de linhas quase apagadas da sabedoria. O hábito da lucidez nas crianças e nos loucos unindo de modo irreversível  e original a lucidez e a franqueza criando o fatídico senso de outra realidade.  A lucidez que deixa escapar  o tempo presente e seus mecanismos internos. A lucidez das pessoas de cem anos, árvores que andam paradas  diante do espelho: um tipo de luz que foge, sem origem e sem destino para dentro do mundo.

Bondade. Forma da atenção plena na qual o objeto é considerado como parte complementar da experiência. Deslocamento das prioridades onde ocorre uma expansão da sensibilidade. Princípio ético da amorosidade de natureza não-erótica.  (Ver Amizade)

Amizade. Amorosidade, dimensão ética da amorosidade que inclui as naturezas em um campo de entrelaçamentos. Nas naturezas é o modo de comunicação das coisas e elementos em seus estados de proximidade e relação. Ex. Nuvens e ventos, areias e ondas, raízes de diversas espécies de árvores em uma floresta. Pode ser expandida até o infinito pela percepção de um espaço comum entre alteridades. (Ver infinito)

Infinito. Interzona ambígua entre o sonho e o não-sonho onde acontece por si mesmo o chamado ‘presente’. Matéria transparente que se move em consonância com a matéria escura. (Ver Momento)

Momento. Galáxia infinitesimal, este momento, reunião do vivo e do ultravivo com os sopros imóveis (quando morremos) e reunião do ultravivo com o vivo através dos sopros incessantes de todas as naturezas (agora)

Continua….

 

 

Marcelo Ariel é poeta e vive em São Paulo