Para ter notícias de mim

Priscila Leonel 

 

Um encontro com a memória e a ancestralidade é o que a artista de hoje, Priscila Leonel, nos convida ao abrir as portas de sua casa-ateliê. Um espaço aconchegante em Sorocaba, no interior de São Paulo, que, em cada canto, mergulhamos no sentir-pensar sobre nós, mas principalmente sobre o nós que é coletivo por se constituir dos/as que vieram antes. E tudo isso pelo território da argila, pelo o barro, que ganha formas de conexão com as memórias ancestrais. Obrigada por convidar A Casa. 

 

 

PRODUZO BONECAS PARA TER NOTÍCIAS DE MIM

Através do desgaste e da sujidade, das expressões e dos sentimentos latentes, a artista propõe uma reflexão através da memória. A pintura na parede é uma proposição com referência às pinturas africanas, nas frontarias das casas, em algumas etnias. Estas meninas são um resultado da junção exata de conceitos, e lembranças guardadas, que a artista revisita ao desbravar esteticamente as sutilezas que a materialidade da argila lhe convoca. As bonecas fogem ao convencional, criando um ambiente que aos poucos nos convida a um olhar cuidadoso sobre a vida, sobre ancestralidade, denunciando as pequenas metamorfoses que muitas vezes deixamos passar sobre nossos olhos ilesos. Esse resgate da memória cria possibilidades de nos percebermos humanos, frágeis  e transitórios.

Vejo o ateliê como campo expandido do artista, como espaço de acúmulo de referências e de liberdade de experimentação; ateliê como quilombo, espaço de construção da liberdade do afrodescendente.

A minha se deu de forma artística, e escrevi esse poema para falar sobre isso:

 

O corpo do artista no mundo

O corpo da mulher negra no mundo

O corpo da mulher negra artista

Um corpo que pensa

Um corpo que movimenta

Corpo reflexivo

Corpo criticado

Corpo crítico

Que corpo é esse?

Quem diz o que é meu corpo?

Quando eu sei me reconhecer neste corpo?

Que espaços ele pode adentrar?

Que espaços ele adentra?

Que espaços ele extrapola?

Que espaços ele transgride?

Dentro do seu espaço, do seu ateliê.

O corpo se recria

O corpo avança e se retrai

Experimenta

Esconde

Escancara

Recebe

Ri

Reforça

Recua

Ritualiza

Reverbera, do ateliê para o mundo.

(CORPO – Priscila Leonel/2019)

 

 

 

 

                                                                                                     

   

 

 

 

 

 

No ateliê, a artista se cerca de todo tipo de detalhes para criar seu próprio mundo. São imagens, recortes, tecidos, botões. São lembranças disparadoras como uma folha seca ou um tênis velho, uma tesoura quebrada ou potes de tinta já vazios. É o lugar dos segredos, onde as recombinações desses elementos, com lembranças de narrativas vividas, se entrecruzam no espaço da ideia. E nesse momento algo novo surge no mundo. 

 

 

Priscila Leonel 

Artista visual, participa do coletivo de artistas mulheres Goma Grupa. Paulistana, nascida em 1987. Hoje vive em Sorocaba/SP onde trabalha em seu ateliê. Formada em Artes Visuais pela UNESP. Fez Mestrado e Doutorado na mesma Universidade, com pesquisa sobre  Ancestralidade Negra na cerâmica contemporânea.

Já participou de várias exposições por todo o Brasil. Tem obra no acervo da Pinacoteca de São Bernardo. Em 2018 teve uma exposição no Centro Universitário Maria Antônia, em São Paulo e neste mesmo ano realizou uma exposição  individual na Casa de Vidro Lina Bo Bardi.

Em 2019 e 2020 foi professora de gravura e cerâmica  no curso de Artes Visuais da UNESP. E atualmente é  professora de Psicologia da Arte, do Instituto de Artes da UNESP.

E-mail:[email protected]

Instagram: @ateliesexta

Site portfólio: www.priscilaleonel.com