Vovô Manuel Rodrigues

 

por Isabela Miranda

Vovô Manoel Rodrigues (1912- 2001) era tão querido e tão festeiro que teve uma festa de 100 anos mesmo depois de sua partida. O livro de Kiusam me levou para uma viagem de encontro com a minha criança que adorava as festas do avô, o encontro com os primos e aquela animação-contagiante-de-criança-pré-festa. Adorava vê-lo feliz, efusivo, dançante, junto dos seus. 

 

 

A preparação para a festa já era um grande reboliço, sempre repleta de demandas, o que servir para um número maior de pessoas? Minha mãe conta que vovó torcia o nariz e dizia que iria começar a festa da Penha (uma comemoração de vários dias, tradicional aqui no Rio de Janeiro). As mulheres se encontravam na cozinha para a elaboração dos pratos em muitas mãos, saíam coisas deliciosas, riamos muito e vovô se dizia um felizardo em nos ver unidas em prol de sua celebração. 

 

20 de maio de 2000- Seu último aniversário presente

 

Ao comentar numa postagem do Instagram com Kiusam sobre essas riquezas, ela mencionou que é preciso pensar em cada detalhe para compor as ilustrações para atingir o nosso povo e foi exatamente isso! Esse livro é potente, rico em conexões nos mínimos detalhes. O muro baixinho, as grades de sankofa, a espera dos primos, as plantas que faziam parte da casa. De-ta-lhes!

 

“A casa onde se desenvolve uma criança é povoada de coisas preciosas que não têm preço.” Ecléa Bosi

 

Eu tenho guardado na memória as plantas que compunham aquele quintal, vovô adorava plantar e tinha muito apreço por cada pedacinho daquele chão. Entre as inúmeras plantas, tínhamos: goiabeira, parreira, figueira, azaléia, um pinheiro gigante na frente da casa, a árvore da calçada que dava um fruto enorme e pesado, entre outras.

 “Folhas esmagadas me lembram o chão da infância.” Clarice Lispector

A espada de São Jorge ocupava um lugar central, bem na entrada, embaixo do V da fachada da casa, ficava dentro de um pneu branco reciclado, imitando uma bolsa. Bem volumosa. Certa vez, disseram-me que não poderia mexer com ela, pois ela protegia a casa. Essas minuciosidades vão dando o tom, estabelecendo relações com as múltiplas leituras que podemos fazer deste livro. 

 

Espada de São Jorge

 

 

O encontro com os primos, ahhh… esses encontros!! Éramos sete, cinco meninas e dois meninos. Contava os minutos para vê-los, foram meus primeiros amigos, crescemos juntos desbravando esse quintal. Vovô adorava apontar nossas virtudes e dizer o quanto as admirava ou o quanto éramos parecidos com fulano ou sicrano. Sem dúvida que esse era o melhor presente para ele, seus olhos cintilavam.

 

                                                                 

 

Senti como se o Vovô Manoel tivesse tido a oportunidade de comemorar seu centenário por meio desse livro. Uma celebração às amizades que nos traz memórias aconchegantes, que fala de ancestralidade, de identidade, de diferenças, de relíquias que nos remete a nossa natureza espiritual.

 

Livro: Com qual penteado eu vou?

Escritora: Kiusam de Oliveira

Ilustração: Rodrigo Andrade

Editora: Melhoramentos

Ano: 2021

 

 

 

 

Isabela Miranda é educadora, especialista em Educação Infantil pela PUC Rio. A paixão pelos livros a levou a cursar a pós-graduação O livro para Infância- processos contemporâneos de criação, circulação e mediação pel’A Casa Tombada e atualmente cursa a pós-graduação em Educação Psicomotora pelo Colégio Pedro II. 

Para Isabela…

“A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá- la.” (Gabriel Garcia Márquez)