Desaprendendo o texto com Roland Barthes: práticas de escrita relacional - com Ana Eduarda Diehl

Sobre o curso

Desaprendendo o texto para o encontro é um percurso investigativo de escrita relacional, fundamentado no jogo e nas implicações criativas da perda.

A ideia é que possamos emprestar nossas lembranças à escrita do outro, despersonalizando a experiência afetiva, saindo do lugar de autor(a) / sujeito, inventando um texto passível de muitas camadas e significações, dado a partir do encontro entre quem narra a própria história e aquele que a escreve. Um exercício de experimentação de morte autoral nos termos de Roland Barthes, nosso guia desde o princípio.

A escrita de si anda em voga. O desafio proposto, contudo, consiste em submeter as palavras constitutivas do eu à prova da escuta, revelando a distância entre narrador e leitor, descentralizando a autoria do sujeito e exercendo a possibilidade de uma criação conjunta, onde o objetivo final é fazer do texto um caminho inventivo e plural, tecido através do encontro.

 

CRONOGRAMA E PRÁTICAS

Encontro 1 (27/01)
No primeiro encontro compartilharei algumas reflexões propostas por Beatriz Sarlo sobre a guinada subjetiva, pensando a escrita de si enquanto fenômeno cultural, abordando a simbiose entre criação e criatura, bem como a figura do artista no ocidente. Essa parte mais teórica, assim como todas as outras ao longo do percurso, será previamente preparada na forma de apresentação.

Feita essa breve introdução, invocarei Barthes e a noção de morte do autor como um desafio ao modus operandi da escrita, onde o jogo é um dispositivo criador, mas também uma ferramenta desestabilizadora do sujeito que cria.

O jogo proposto passa por uma prática relacional, na qual trabalharemos com a incorporação do outro e das histórias alheias. Assim, o grupo será dividido em pares onde duas pessoas irão dividir uma memória específica, passível de se transformar em texto. Cada dupla irá compartilhar suas histórias entre si, em um exercício de aprofundamento de escuta do outro, mas também de questionamento sobre o que se ouve, a partir de perguntas dispositivo específicas, tais como: qual o cheiro, a sensação, os objetos presentes, o lugar, qual imagem essa pessoa era?

Uma vez destinado o tempo ao encontro da dupla, serão enviadas as instruções para o encontro da semana seguinte, onde cada participante apresentará sua própria narrativa a partir da história de um outro. (A narra B, B narra A)

Os textos criados serão compartilhados no google drive, devidamente acompanhados e comentados individualmente entre o primeiro e o segundo encontro.

 

Encontro 2 (28/01)
No início do segundo encontro, recorrerei de novo a Barthes, a noção de sapiência e outras reflexões sobre a linguagem como jogo, afeto e relação.

Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível. (BARTHES, 2007, p. 45)

Cada pessoa apresentará seu texto ao outro da dupla em novas salas virtuais, a fim de discutir as seguintes questões: o texto pertence àquele que lê ou àquele que escreve? Qual a relação entre a escuta e a escrita na composição das imagens textuais? Enxergo o outro na condição de um outro ou lhe narro como extensão de mim? É possível ganhar contorno através das lentes alheias?

A ideia é tecer uma conversa sobre a desestabilização do sujeito, ao entregar uma história que poderia facilmente ser escrita em primeira pessoa nas mãos de uma terceira, convocando imagens não usuais ao repertório daquele que escreve, em um processo de criação da linguagem pela incorporação da escuta.

Ao final da conversa, será enviado o exercício para o terceiro encontro, o qual será novamente compartilhado pelos participantes em uma pasta na nuvem, e devidamente comentado durante a semana. Trata-se da seguinte proposta:

Tecer uma narrativa híbrida, escrevendo sobre si através da escrita do outro ( partindo do texto do segundo encontro), fazendo da narrativa alheia uma espécie de base para a composição de uma outra história, alterando, adicionando e subtraindo elementos. Os textos serão comentados individualmente ao longo da semana.

 

Encontro 3 (03/02)
O terceiro encontro consiste no aprofundamento sobre a questão da morte do autor em Barthes e o desejo pela linguagem, dialogando com o antropólogo Tim Ingold e as reflexões sobre um mundo de emaranhados.

A prática de criar histórias demanda muito mais do que um sujeito-autor-criador, mas se insere em uma rede de relações. A escrita se compõe daquilo que se lê, experimenta e ouve. O texto não é uma criação de uma mente autônoma, mas de seres que se movem em relação, por isso a prática de submeter nossas histórias à escuta, tornando nossas experiências vulneráveis a uma escrita que não a nossa, tornando-a outra por conta de um outro.

O exercício da partilha em voz alta, do comentário e da escuta atenta desafiam o repertório individual, criando tensões e fissuras.

Nessa etapa do percurso, convido os escritos do antropólogo Tim Ingold a fim de pensar além dos binarismos natureza / cultura, eu e outro, dentro / fora. O mundo existe em interdependência. Dessa perspectiva, irei propor ao grupo a seguinte reflexão: O que se ganha quando se perde a propriedade absoluta da escrita, enriquecendo-a a partir da diferença e do encontro?

Compartilhamento em duplas do exercício do segundo encontro e proposição para o exercício final, que envolve a tessitura de uma narrativa que interseccione os escritos da dupla, invocando elementos específicos, cenas e situações das histórias alheias na composição de uma escrita de si. (A escreve sobre A se misturando à escrita de B sobre B, criando pontos de intersecção narrativa).

Como forma de complementar o exercício e pensar o processo da escrita, entre o terceiro e o quarto encontro serão disponibilizados trechos específicos de duas obras essenciais de Roland Barthes: O rumor da língua e o grau zero da escritura.

Encontro 4 (04/02)
Compartilharemos todos juntos um pouco do processo de mesclar histórias, narrar-se a partir do outro e com ele, no intento de tensionar o conceito de escrita de si tão difundido na contemporaneidade.

A ideia não é tecer a crítica pela crítica, uma vez que é importante buscar um traço singular, mas questionar o fato de que escrever é sempre mais polissêmico e multivocal do que sugere a escrita de si e a busca pela própria voz.

O objetivo deste percurso é claro: trazer à tona o entendimento de que escrever é um ato atravessado, concebendo o texto para além de uma propriedade autoral, mas como um emaranhado de relações vivas.

O convite à sapientia nos termos de Barthes é o de uma apropriação sem poder, porque não significa fazer do outro propriedade, mas do estranho, próprio. A coautoria da produção e da recepção, na descoberta e indagação da escrita / leitura.

Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007
BARTHES, Roland.O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1986 BARTHES, ROLAND. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2013
INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p. 25-44, jan./jun. 2012
SARLO, Beatriz. Tempo Passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras/Belo Horizonte: UFMG, 2007.

Sobre a professora

Ana Eduarda Diehl (@anaeduarda.diehl) é antropóloga pela UFPR, onde investiga histórias de vida e de plantio, além de escritora, com contos e crônicas publicados em suplementos diversos, como o jornal “Plural” e “Benditojor”. Atualmente se dedica às investigações dramatúrgicas pelo núcleo de dramaturgia do SESI – PR, em processo com a peça “Mina d’água”. Também desenvolve projetos culturais via editais, interseccionando palavra, cidade e escuta.

Quando

Quintas e sextas-feiras
Dias 27, 28/ 01
e 03 e 04/02
Das 19 às 20h30

Onde 

Online
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Turma

12 vagas

Investimento

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