Uma linda homenagem
A prática (geral: mental, escrita, vivida) da individuação é a Nuance (etimologia: ela nos importa porque ela implica uma relação com o Tempo que faz, coelum em latim francês antigo: nuer = comparar as cores nuançadas com os reflexos das nuvens). A Nuance: tomá-la fortemente, geralmente, teoricamente, por uma língua autônoma; a prova é que ela é neuroticamente censurada, recalcada pela civilização gregária de hoje. Pode-se dizer que a civilização das mídias se define pela rejeição (agressiva) da nuance. Já falei várias vezes da nuance, como prática fundamental de comunicação; arrisquei até um nome: diaforalogia. Acrescento essas palavras de Walter Benjamin: “… as coisas são, nós o sabemos, tecnicizadas, racionalizadas, e o particular só se encontra, hoje, nas nuances”. (Roland Barthes)
Imaginem uma casa toda ela composta por nuances. Uma Casa nas Nuvens plantada no chão. Uma casa que traz em seus muros dois corações ardentes.
Imaginem que, nessa casa, que abriga um café e uma livraria, inaugura-se, às vésperas de um 25 de abril, em 2022, um nicho frágil de escrita comum para abrigar os textos de, com, e para a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol.
Imaginem que essa casa, em Bragança Paulista, no Estado de São Paulo, abriga também as montanhas, aquelas mesmas que anunciam, já de longe, o caminho para as Minas Gerais.
E que nessa casa, que se expande para muitos cantos deste mundo, e para outros mundos do mundo, encontraram-se virtualmente e presencialmente os legentes, dentre os quais duas castelos brancos. Para fazerem ressoar, ainda hoje, e na voz de muitos outros cantores de leitura, o texto de Maria Gabriela Llansol.
Imaginem cortinas brancas, de gaze ou de organza, e ramos lilases. E o perfume de lavanda por todos os cantos. E rosinhas de Santa Theresinha. E a profusão de sinais, nas paredes da casa da cidade serrana.
Imaginem um sonho: o sonho de que temos a linguagem. Dele só nos resta uma linguagem: a escrita. E, dessa escrita, um livro: O caderno de [cem] sonhos de MGab.
Pensem num lançamento sem público em que os livros se venderam antes de chegarem à casa, pensem numa cortina do sonho que levou dez anos para ser bordada. Sonhem com um presente dado num dia feliz.
Foi assim o encontro que teve início no dia 23 de abril de 2022, para uma oficina de sonhos, o lançamento de um livro, a inauguração de um espaço: um nicho de escrita comum.
A Casa Tombada, em Bragança Paulista, reabre uma vez mais suas portas, as portas que nunca se fecharam. E recebe, na prática da hospitalidade, todos aqueles que se interessam pelo texto, pela leitura, pela escrita, pela arte, pela educação.
“De onde vem esta casa?” Talvez seja esta a pergunta que nos interpele, quando ainda estamos a caminho. Mas a pergunta sobre a origem, sabemos, não é aquela que mais nos interessa. “Para onde vai esta casa?” , pensamos, ao experienciar, em absoluta sobreimpressão, a sua força de presença.
E é Maria Gabriela Llansol quem, mais uma vez, nos aponta uma direção:
“como vireis viver aqui, faço-vos o desenho das Casas que vos esperam. Todas elas são Casas da Casa do Pinhal.
O núcleo-mãe é a Casa da Reconstituição.
Se o Grande Textuador Desconhecido vier, virá habitar na Casa da saudação. Os animais moram na casa deles, a Casa dos animais. As árvores, os arbustos, as flores, a erva, moram no jardim em volta. A Casa do silêncio é a parte mais recôndita da Casa da Reconstituição.
Os pontos cardeais da Casa do Pinhal são guardados por figuras que vos mostrarei.” (Os cantores de leitura, seu duplo da partícula 44, p.105).
*Fotos de Lucia Castello Branco n’A Casa Tombada, em Bragança Paulista, nos dias 23 e 24 de abril de 2022, por ocasião da oficina “O sonho de que temos a linguagem”, do lançamento do livro O caderno de [cem] sonhos de MGab, e da inauguração do nicho de escrita comum, dedicado a Maria Gabriela Llansol.