por Keila Knobel
Desde sempre me atraem livros sobre a impermanência, para não dizer a morte. Sem ter vivenciado nenhum trauma ou perda prematura, sem estar doente ou ter um doente terminal na família, li bastante sobre luto e fiz uma pequena coleção de livros ilustrados sobre a morte. Até tatuei a Morte de Wolf Erlbruch no braço direito. Mas, ao perder meu pai há cinco meses, entendi o que livro nenhum foi capaz de antecipar. Nenhum dos meus abismos anteriores eram tão profundos, tão aterradores.
Logo que pude revisitei alguns livros e os li com meu irmão, de oito anos. Ele acompanha as ilustrações com solenidade, piscando mais que o normal para espantar as lágrimas. Geralmente termina com um “legal”, e sai correndo de si mesmo, vai cavar um lago no jardim ou atazanar as cachorras. Mas com Un Hueco, de Yaek Frankel (Calibroscopio, Buenos Aires, 2018), não foi assim. Quando disse que queria ler um livro para ele, se aproximou animado, mas assim que ouviu o título “um buraco” (na minha tradução livre), estremeceu. Mas no meio do livro, foi tomado pelo espanto e pela curiosidade. “Por que o buraco é um lugar quentinho? Arregalando os olhos, pergunta “mas por que voltar lá (no buraco)?” E pensamos juntos sobre a enorme presença enraizada naquele oco onde só nós conseguimos chegar. Se levanta com um sorriso triste, mas dessa vez parece curioso e disposto a levar uma lanterna em sua próxima expedição àquela caverna gigante que carrega no peito.
Enquanto isso, eu releio e releio de novo a Recusa do não-lugar, de Juliano Garcia Pessanha (Ubu, São Paulo, também 2018). Livro que comecei a ler há mais de um ano e faço questão de não o dar por terminado. Primeiro porque não sei se eu entendo de verdade o que está escrito, já que em cada leitura eu me surpreendo com algo totalmente novo. Segundo porque a leitura compartilhada de Un hueco me remeteu diretamente ao Recusa do não-lugar. Se antes a leitura de Passanha me levou a perscrutar meus silêncios mais inóspitos, hoje me acompanha na perplexidade diante do (im)possível.
Sobre Keila Knobel:
Depois de fazer carreira como Fonoaudióloga e Pesquisadora, viu-se diante de uma nova porta, esquecida na infância… Ao abrir essa porta, entrou n’A Casa Tombada (2016), onde fez a pós-graduação O Livro para a Infância. Desde então, tem estudado com outros artistas e escritores e explorado diferentes formas de expressão artística.