por Liliana Pardini
“Se alguém fosse capaz de nos ver do alto, veria que o mundo é cheio de pessoas que correm em pressa e fúria, suadas e exaustas, e suas almas atrasadas, perdidas, que não conseguem estar dentro de seus donos.”
A primeira vez que me encontrei com esse livro ele estava pendurado por um fio, no estande da editora polonesa, na feira de livros de Bologna.
Adoro admirar as ilustrações e sentir o formato de um livro, mas o que realmente me captura primeiro, desde pequena, é o texto. E este livro se chamava ZGUBIONA DUSZA. Ou seja, o texto me mostrou a língua e me abandonou às imagens. Foi então que o excepcional lápis de Joana Concejo traçou o caminho dos meus sentidos e me deixou como o livro: pendurada por um fio.
Intuí a história de um homem que levava uma existência em preto e branco sobre um papel quadriculado. Ele se afastou de todos e esperou em sua casa. Esperou a ponto de ver crescer as plantas, seus cabelos e barba. Até que um dia recebe a visita de uma criança que tem os mesmos olhos que ele, e tudo volta a ter cor e profundidade.
Quase um ano eu tive que esperar também, até encontrar o texto numa língua em que eu pudesse compreender. A polonesa vencedora do Premio Nobel de Literatura de 2019, Olga Tokarczuk, me fez acariciar o livro e sentir o sabor bom de se saber esperar.
O homem trabalhava “muito duro e muito apressadamente” e havia deixado sua alma para trás há muito tempo. Conseguia dormir, comer, dirigir e “até jogar tênis”, mas tinha a constante impressão de que tudo à sua volta era plano. Um dia acordou em um quarto de hotel e se sentiu sufocar. Havia esquecido onde estava, o porquê de estar lá e até mesmo de seu próprio nome. A solidão o engoliu.
Uma velha e sábia médica lhe deu o diagnóstico: ele havia “perdido sua alma, pois a alma se move numa velocidade muito inferior à dos corpos”. Ele deveria se sentar num lugar todo dele e esperar por seu retorno.
E assim ele fez.
Confinou-se em sua casa e aguardou pacientemente.
E a sua alma, já está com você?
Referência do livro: L’anima smarrita, Olga Tokarczuk e Joanna Concejo: Topipittori, 2018.
LIliana Pardini é escritora e cria livros-objeto.