O riso da medusa, Hélène Cixous

por Liliana Pardini

 

 

Suzana nos apontou Medusa.  Sobrevoava montada em seu filho-cavalo de asas Pégaso. Gargalhava.

De início, um espanto.

Depois, contagiou, gargalhamos com ela.

Pensamos: como é que esse texto só nos alcançou 47 anos depois de sua primeira publicação?

Temos fé na precisão do acaso.

É agora que estamos a rir com ela.

Aqui, algumas impressões do que foi passar por essa experiência.

Convidamos a completar, continuar, grifar, riscar, roubar, voar!

Escreva, Mulher!

O acaso quer a sua escrita para a revelar em outra língua daqui 47 anos.

 

 

Leio com Helene Cixous: “Como não há lugar de onde estabelecer um discurso, mas um solo milenar e árido a fissurar, o que eu digo tem ao menos duas faces e dois destinos: destruir, quebrar; prever o imprevisto, projetar.” (p.42)

Lembro de um personagem da sequencia de filmes A Era do Gelo. O esquilo que, a cada filme, tenta quebrar sua noz. A cada tentativa, faz fissurar o chão e isso leva a consequências inimagináveis para todos os personagens da história, para a geologia e para o destino do planeta.

Parece que estamos, cada uma de nós, com nossas nozes, tentando desesperadamente quebrá-las. Seremos nós aquele esquilo impossível? Aquele esquilo que sobrevive sabe-se lá como e que nunca consegue comer sua tão desejada noz?

Procuro um lugar de mulher com vidência. Procuro um lugar para o meu corpo de mulher se acolher. Um lugar em que se possa saborear devagar e livremente nossas nozes, enquanto quebramos os nãos e prevemos o imprevisto.

Raquel Guimarães

 

 

“Ao censurar o corpo, censura-se, de um golpe só, o sopro, a palavra.

Escreva-te: é preciso que seu corpo se faça ouvir.” (p. 51)

Relendo os meus grifos, percebi que não são apenas grifos…são gritos.

Um corpo censurado é um corpo sem voz. Um corpo sem voz, adoece.

Ler o riso é autorizar-se.

“Sua libido produzirá efeitos de rearranjo político e social muito mais radicais do que se quer pensar.” (p. 56)

Daniela Galanti

 

 

“Eu sei por que você não escreveu. (E por que eu não escrevi antes dos meus 27 anos). Porque a escrita é, ao mesmo tempo, algo elevado demais, grande demais para você, está reservada aos grandes, quer dizer, aos “grandes homens”; é “besteira”. Aliás, você chegou a escrever um pouco, mas escondido. E não era bom, porque era escondido, e você se punia por escrever, você não ia até o fim; ou porque, escrevendo, irresistivelmente, assim como nos masturbávamos escondido, não era para ir além, mas apenas para atenuar um pouco a tensão, somente o necessário para que o excesso parasse de nos atormentar. E, então, assim que gozamos, nos apressamos em nos culpar – para que nos perdoem –, ou em esquecer, enterrar, até a próxima vez.” (p.44)

Encontrar a resposta para minha pergunta mais aguda foi uma alegria difícil. Ainda era a quarta página do manifesto, segurei aquela inesperada mão estendida em silêncio, incrédula, eu não poderia estragar aquilo. Segui a leitura com grifos baixos, posso usar?

À noite: como isto existe desde 1975 e só agora? Como me aproximar disto tudo?

Gradualmente e penosamente*.

Todos os dias, um pouquinho que seja.

Não, não consigo. Vocês estão lendo também? Estamos. E o que a gente faz agora? Eu preciso gritar. Eu quero o voo. Não vai sobrar nada em pé, escritoras. Vamos nos encontrar. Trouxe pano para bordarmos, os cabelos dela, o que queiram, o que for preciso. Ficamos juntas.

E voltei. A mão estendida aceitou quando apertei mais forte, quando puxei para trás e pedi para demorar mais naquele ponto. Todos os dias, mais dois grifos, três. Mais alto. Agora transcreva. Risco. Que extensão é esta do meu corpo?

Meu Deus!

Patricia Piva Amaro

 

 

As palavras de Cixous, como “um riso antigo”, é um relembrar, um grito distante, que me chega em forma de um eco e insiste: a escrita é para você, você é para você, seu corpo lhe pertence, tome posse dele. (p.44)

Há pouco segurei nas mãos delas. Essa escrita é também sobre nós. Nossas mãos se moviam em diferentes direções, acariciavam tecidos, apertavam os corpos em abraços compridos e dançavam. Seguravam lápis, canetas, agulhas e fios. O corpo pedia a palavra, que pedia o corpo, com a cumplicidade de quem se aproxima com generosidade da fragilidade de uma escrita que nasce ou de uma mulher que não encontra forças para parir a si mesma. Nossas mãos não estavam entrelaçadas, nossos vazios sim. Nos sentamos juntas e escutei de suas bocas o que não me autorizava a sentir. Estar entre mulheres é também sobre isso, ser fonte geradora em outros corpos, transbordar. Quando ela entra, ela entre-ela eu e você entre o outro eu em que o um é sempre infinitamente mais de um e mais do que eu, sem medo de que nunca chegue ao limite: desfrutando o nosso tornar-se. (p.81)

Tornar-se escrita! Palavra não dita. Os nomes comuns são também nomes próprios (p.74), aumentam a potência e afirmam a beleza de paisagens ordinárias.

Quando eu escrevo, são todas aquelas que não sabemos que podemos ser, que se escrevem a partir de mim, sem exclusão, sem previsão, e tudo o que seremos nos chama à incansável, inebriante, insaciável procurada de amor. Jamais nós nos faltaremos. (p.81)

Avistamos a brecha, Hélène, e corremos até ela com a integridade de nossos desejos, com nossos corpos múltiplos, cada vez mais conscientes de que para uma mulher, é difícil tomar a palavra pois ela o faz com seu corpo todo, que treme, e lança sua voz no vazio. Quando ela fala (escreve), é seu corpo todo que fala (p.84), e ela se torna o próprio corpo da escrita.

Basta olhar a Medusa de frente para vê-la: ela não é (i)mortal. Ela é bela, e ela ri. (p.62)

Ivy Ota Calejon

 

 

“Felizes somos nós, as omissas, as apartadas do palco das heranças, nós nos inspiramos, e nós nos expiramos sem ficarmos ofegantes, estamos em todo lugar!

Nós, aquelas que estão sempre retornando, quem, doravante, se nós o afirmamos, poderia nos dizer não?” (p.47

Ao reler o texto pela terceira vez, me dou conta dos grifos, desenhos e perguntas que faço para o meu corpo. Corpo esse que só se acalma quando

pego

restos de tecidos

linhas

bordo

correntes   apertadas  amontoadas

correntes   pequenas  grandes

correntes saltando querendo se soltar

traço o movimento

estendo

os fios

entendo

a linha na mão

encontro

o amor

inspiro

expiro

inspiro

expiro

e ouço uma voz

respira fundo, Mulher

vá com

sua carne

vá com

sua voz

vá com

sua força

junte-se

a todos os nós

com todas nós

Suzana Bucalon

 

 

“É tempo de libertar a Nova da Antiga conhecendo-a, amando-a por escapar, por superar a Antiga sem tardar, indo à frente do que a Nova Mulher será, como a flecha se afasta da corda, num só movimento, aproximando e separando musicalmente as ondas, a fim de ser mais do que ela mesma.” (p.48)

Sinto que perdi a cabeça com serpentes que enumeravam as culpas. Recebi uma nova, com serpentes que cantam para o mundo o que ouvem de dentro.

Liliana Pardini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Riso da Medusa

Hélène Cixous

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2022

 

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