Conversa com Jack Kerouac

 

*Inspirado, roubado e transfigurado em excertos do texto ‘ Crença e técnica na ficção moderna’ de Jack Kerouac, traduzido por Sônia Coutinho, publicado na Revista Ficções número 6, nov. de 2000

 

JK: As visões indizíveis do indivíduo

MA: Então a pessoa que escreve deve ‘pensar por imagens’, procurar ser guiada elas visões?

JK: Sim, submissa a tudo, aberta, atenta.

MA: Isso não a tornaria limitada ao seu próprio círculo de significados?

JK: Duvido, qualquer coisa que ela sentir encontrará sua própria forma, ela pode ir fundo quanto quiser, escrever ilimitadamente o que desejar do fundo de sua cabeça, os círculos se expandem sozinhos, como nos sonhos.

MA: Escrever para você é como ‘sonhar acordado’?

JK: Também, mas de um modo desinteressado e concentrado, como no zen, o ideal é trabalhar a partir da medula da atenção, nadando no mar da linguagem e submergir depois em extática concentração para sonhar com o objeto à sua frente. É uma luta para esboçar o fluxo que já existe intacto na mente.

MA: Que tipo de livro surgirá disso?

JK: Livros-filme capazes de contar a história verdadeira do mundo em monólogos interiores, não se deve pensar nas palavras, o importante é parar e ver melhor o quadro e compor com ele, de forma selvagem, pura, tudo vindo do fundo, em louvor da Pessoa  na solidão Desolada e desumana, quanto mais louco for o processo melhor!

MA: Para finalizar o que você diria para essa pessoa que está começando a escrever hoje?

JK:  Ame sua vida, faça a direção de filmes Terrestres, Patrocinados  & Santificados no Céu. Elimine as inibições literárias, gramaticais e sintáticas. Acredite no contorno sagrado da vida.

 

Respostas ao questionário da Revue Internationale d´Art et d´Artologie 

 

Como você pensa o seu processo criativo antes e durante a escrita de uma obra? Você consegue perceber como ou de onde vem sua inspiração?

Para mim a escrita surge de uma escuta do pensamento dos órgãos até que se abra como um clarão um instante sem eu, esse instante canta o pensamento dos órgãos sem eu que estão na origem tanto do inconsciente, quanto de sua emanação: a escrita. Há uma tensão entre os ecos dessa escuta e o barulho do mundo exterior dentro da floresta dos órgãos que resulta no hibridismo dos livros.

 

Ao pensar a escrita de um novo livro, você tem algumas referências literárias em mente?

Por outro lado, meus próximos livros são, digo são porque o hierofante fala de seu passado que é futuro para a maioria, continuando, meus  próximos livros são respostas a livros de João Vário, Fiama Brandão, Llansol, Maura Lopes Cançado, Mary Oliver. Um novo livro é  sempre um curto circuito de ressonâncias. Como o trabalho de um dj de silêncios. A grande continuação dos livros de Rimbaud dentro de um disco de John Coltrane.

 

Em sua opinião, qual é a principal condição para que uma obra seja bem sucedida?

O conceito de obra implica para mim na selvageria do mal sucedido. Como o jaguar do supraconsciente da linguagem que deixa escapar o cervo da identidade. A incomensurável crise da leitura não será solucionada nos próximo séculos. Editores são cegos parciais ou totais para a ruptura e o estranhamento total. O mercado literário inclui apenas para excluir melhor depois, é uma fábrica de fantasmas mas a antiforça de desconstrução da poesia é extraordinária,  A poesia é a mulher negra da literatura.

 

Você tem, como apontam outros escritores frequentemente, o sentimento de que os críticos não o (a) compreendem? Por quê?

Que crítica? A luz violeta acuada nas sagradas academias e no fundo das bibliotecas vazias dentro da nuvem? A crítica foi substituída pelos prêmios, é uma miséria…. Todo o cenário literário precisa mudar para se opor ao que chamo de extinção da espontaneidade, o equivalente do triunfo de parvos esquemáticos guiados pelos drones das tendências.

 

De qual das suas histórias ou dos seus poemas você mais gosta? E qual o (a)define melhor?

Tenho horror da auto-identificação com qualquer coisa que eu tenha escrito.

Sou pela desumanização da arte em geral! Nossa mente é como a poluição oceânica!

O que se escreveu recentemente, um livro sem editora no Brasil chamado A ÁGUA VEIO DO SOL, DISSE O BREU me parece urgente, um manifesto contra a catarse e a imanência. Assino agora como EXU PRÍNCIPE DA LUZ, certos livros marcados pela incompletude e pelo aberto da linguagem. É sempre o poema contra o poeta e o poema é o mundo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marcelo Ariel é poeta e vive em São Paulo

 

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