[Poemas à porta ] Sobre cortar fumo, por Luis Lucena

Por Luis Lucena

I.

Destino

Mariano, 14 de julho de 1916

 

De volta ao trabalho 

como qualquer 

fibra criada

queixar-se de quê?

 

Giuseppe Ungaretti em A Alegria

 

_______________________________________

 

II.

Peço que suspendam a sessão.

Senhoras e senhores:

Eu vou fazer um única pergunta:

Nós somos filhos do sol ou da terra?

Porque se somos terra simplesmente

não vejo para quê

continuamos gravando esse filme:

Peço que suspendam a sessão.

 

Nicanor Parra em Só Para Maiores de Cem Anos  

 

_______________________________________

 

III.

(…)

Há os que pensam ou sentem que a coisa nunca devia ter acontecido, mas ( desconsiderando-os)

os outros não dizem mais: “Talvez tivesse sido melhor se você a tivesse cortado.” Em vez disso, dizem: ” Eu estava começando a me acostumar com a coisa.” Alguns dizem: “Você não a podia ter feito mais efetiva?”

E quando aparecer algo que nunca foi ouvido, seremos capazes de falar mais ou menos do que agora

sobre a unidade e seu relacionamento com o todo? No interior desse espaço, aberto, embora cheio, como um prato até a boca, de sons tanto agradáveis como terrificantes, que ocorrem em pontos imprevisíveis não só no tempo, como através de todo o espaço, também

não será como é hoje, primavera definitivamente aqui ( ou é verão?), Finalmente ao ar livre, deliciosamente infestado de insetos, algo para ouvir de todos os lados ( até atrás de mim), que tudo que a gente possa pensar que teremos de dizer terá, como agora,

escapado de nossas mentes de alguma forma? 

John Cage, trecho do livro De Segunda a Um Ano,  p. 125

 

 

São trechos de uma colcha que vai até os primeiros da família.

 Meu avô  dizia que vivemos submersos em certa água invisível para nós, como acreditava ser

o mar para os peixes. E cortava o fumo. Dá para ver  o tempo nas mãos de uma pessoa. Era como se um gesto autorizasse o outro, a realidade da água invisível estava grudada ao modo de cortar o fumo.

 São infinitas as formas da colcha não se desfazer e, por conta dela, digo qualquer coisa como

toda casa. Porque é infinita, como corta-se o fumo.

 Por exemplo,

toda casa

tem sua gaveta de guardar as mãos de alguém muito antigo, quem já esqueceu uma cebola na fruteira consegue imaginar o modo como nas unhas do velho se prepara uma mão por nascer, broto daquela.

Toda casa

nesse sentido,  de esticar para os lados, sem pretensão de esgotar cada canto do interior, como corta-se o rolo de fumo. São 3 pedaços de aumentar a casa.

Luis Lucena é educador

 

desenho de Luis Lucena

Cursos d'A Casa

[29/04/21] Descobrindo os 4 elementos da astrologia em nós – com Liliane Pellegrini e Melissa Migliori

[13/03/21] Correnteza: uma jornada de mulher em jogo – com Yohana Ciotti

[09/03/21] Educação antirracista com histórias: mitos e contos africanos e afro-brasileiros – com Giselda Perê

[09/03/21] Ateliê de voz: escuta, experiência e criação – com Renata Gelamo

[09/03/21] Escreviver – com Lúcia Castello Branco

[08/03/21] A Linha e seus papéis – com Edith Derdyk