Perto do asfalto, longe da civilização

 

 

É cedo ainda, o vermelho aquebrantado do sol já anuncia que raia o dia

a gota d’água não corre na bica 

ela se esconde num poço inalcançável de desejos que jazia

Lá vai lindeiro, baldear a lama, buscando a gota e na esperança a alcança

 

 

O canto da garrincha abafado pela buzina

o som da Scania ensurdece e avisa: o tapete preto dita e limita a vida

Além dele é a cerca excludente e o fazendeiro advertiza

“longe daqui, tu pisa e leva esse cortiço dessa beira de pista!”

 

 

Entre o arame e o betume, o Beiradeiro planta, labuta com a terra

Não dá para ir longe, “é arriscoso!”

Arar a terra longitudinal, sem a profundidade que a plantação requeria, ninguém podia

E lá vem a noite, o sereno, já vai o dia

 

 

E a criançada, pé no chão, olhos atentos abrilhantados por uma singela inocência

brinca brejeira com os cacos e jantes deixados na rodagem

rodeada está das poucas galinhas, penosas e magricelas 

E os cães mais que vigiam, protegem, anunciam qualquer procela

 

 

E no relento é cada farol que alumia, energia não tinha

“não tinha teto, não tinha nada!”

É a arquitetura do madeirite e do papelão, ou a lona que escapa do caminhão

a cobrir os sonhos nessa beira, quanta provação!

 

 

“Ninguém podia fazer pipi, por que banheiro…” o mato é logo ali

Canta o pneu, o farol pisca, reluz, alumia

Viajantes passam, todo mundo olha, mas ninguém vê o Beiradeiro e sua cria

E seus sonhos de melhores dias espremidos entre a cerca e a rodovia.

 

 

Fotos de: Ananda da Luz Ferreira (Instagram: @beiradeiros_ufsb)

 

 

 

Este poema é fruto da experiência vivenciada no trabalho de pesquisa sobre as pessoas que ocupam os espaços entre o asfalto da BR-101 e as cercas das fazendas, nas proximidades do município de Teixeira de Freitas, Extremo Sul da Bahia. Visitar as moradias durante o estudo de campo resultou a dissertação de mestrado que externou como vivem essas pessoas, à beira da vida. 

 

Oneide Andrade

Sou soteropolitana, bacharela em Secretariado Executivo e Direito, mestra em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia, cantora, compositora e poetisa, trago no canto e na poesia a tradução da vida!

 

 

 

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