por Ângela Castelo Branco
não abandones a escrita a lápis, pois é ele que sustenta o desconhecido
*
quando se escreve, não há silêncio
que chegue
*
porque esse rosto que tomo a mim me assusta, como
meu enigma,
*
porque é tectônica
a fala,
*
escrever é desaparecimento
pouco a pouco,
o anterior ao depois,
é trabalhar fora
*
como um vestido, corpo transparente assim exposto,
perguntando, levemente,
o que é?,
a que respondo, nesta liturgia
o vestido não conhece fim
além do corpo
*
se sorris, encontraste o teu amor?,
a que, rápido dizia
encontrar não cessa a procura,
*
é possível esse nada se ligar a tudo, é possível, pensou.
*
não sabendo que é
e o que tiramos com a roupa
*
tudo cai
sob a saia
(fragmentos do livro a mais aberta, de Jonas Samudio)
Retirei essas frases do livro-poema que me chegou pelo correio no afunilamento do ano passado. Chegou num envelope perfumado, livro chamado a mais aberta, de Jonas Samudio, publicado pela Cas’a’screver.
Pra mim, o cheiro é uma forma delicada de rezar. Depois vem o tecido, depois a costura, que também pode ser chamada de escrita. Todas as três são preces porque chegam. E não há nada mais sagrado que chegar. Que se faça chegar uma palavra, um beijo, um tufo de alecrim retirado da horta. Que se faça chegar a ponta dos dedos num tecido que não esconde sua origem, que se faça chegar o rosto em tudo aquilo que exala.
que se faça é um tipo de prece também. pois veste o gesto de algum perfume. e gesta o vestir.
o gesto de vestir-se das texturas do mundo, sagra. con-sagra.
Pois o corpo, assim como o lápis, é aquilo que se gasta de exalar em exalar. Essa é a prece, o assim-abrir que chega.