Sobre o curso
Este curso tem por objetivo refletir sobre a sociedade contemporânea levando em conta a relação entre a experimentação sensorial com lisérgicos e a codificação digital dos sentidos. Têm-se como problema subjacente a modulação contemporânea das subjetividades e do poder, ou seja, as revoluções moleculares do século XX e a passagem disciplina-controle intuída por Gilles Deleuze em 1986.
Pressupõe-se, para tanto, 1) que a ingestão de substâncias e a utilização de objetos técnicos são elementos importantes para se pensar as sociedades humanas e 2) que a experimentação sensorial com ópio, heroína, lsd e canabis (sobretudo entre os anos 1940 e 1970) teve relação direta com a crise da modernidade e com o desenvolvimento informático durante a após a Segunda Guerra Mundial. Os lisérgicos e os computadores serão pensados aqui como dispositivos contextualizados tanto com a fragilização do maquinário subjetivo montado durante os séculos XVIII e XIX, quanto com a montagem do maquinário subjetivo posto em funcionamento nos séculos XX e XXI.
Percurso dos encontros
Encontro 1 (26/01): Introdução: lisergia, computação e subjetividade
Encontro 2 (28/01): William Burroughs: opiáceos, literatura e controle
Encontro 3 (02/02): Timothy Leary: o LSD, o computador pessoal e o movimento ciberpunk
Encontro 4 (04/02): Jeron Lanier e a digitalização dos sentidos.
Aula 1
Introdução: lisergia, computação e subjetividade
Esta aula tem por objetivo apresentar um panorama conceitual e histórico do problema a ser detalhado ao longo do curso, a saber, a relação entre a crise subjetiva da modernidade disciplinar (intensificada pela revolução molecular dos anos 1950, 60 e 70) e a ascensão das novas estratégias de poder que compõem as sociedades de controle. O faremos, porém, dando centralidade (não exclusividade), à relação entre lisergia e computação, ou seja, às políticas da experimentação sensorial e às estratégias digitais de codificação dos sentidos. O panorama a ser apresentado nesta primeira aula levará em conta tanto a especificidade histórica e política do problema quanto sua conexão com uma série de outros temas, tais como sexualidade, guerra, ciência, racialidade, trabalho, esportes etc. igualmente decisivos para a emergência da sociedade atual tal como a experienciamos.
Aula 2
William S. Burroughs: opiáceos, literatura e os limites do controle.
A obra e a vida de William S. Burroughs II (1914-1997) nos oferecem pistas interessantes para pensar a relação entre o uso de drogas, os avanços da computação e as modulações contemporâneas da subjetividade e do poder. Além de gay e usuário declarado de ópio, heroína e morfina (experimentador da sexualidade e dos sentidos), o mais estranho dos beatniks era também herdeiro direto da Burroughs Corporation — empresa estadunidense fundada por seu avô William S. Burroughs I no fim do século XIX. A Burroughs Corporation foi pioneira na fabricação de calculadoras eletrônicas e computadores, tornando-se a principal concorrente da IBM após a Segunda Guerra. A vida de William Burroughs I conecta vetores de intensidade que avançaram com muita força nas décadas seguintes. Como se sabe, os beats, cuja produção está concentrada nos anos 1940 e 1950, são um ponto de contração entre os surrealistas dos anos 20 e os movimentos contraculturais dos anos 1960 e 1970 — e logicamente dos bandos sub que se proliferam pelos grandes centros urbanos nos anos 1980 e 1990. Além disso, nos interessará as conexões entre Deleuze e Burroughs, sobretudo em dois momentos: na forja do conceito de rizoma, com Guattari, em 1980, e na diagramação das sociedades de controle, em 1986, durante uma série de cursos ministrados na Universidade de Vincennes em homenagem à Michel Foucault. Veremos que a conexão Deleuze-Burroughs contém ferramentas conceituais úteis para pensar o presente sem rejeitar a complexidade que lhe é própria: a complexidade de um tempo em que os escombros de um estrato histórico estão ainda misturados aos alicerces de seu sucessor.
Aula 3
Timothy Leary: o LSD, o computador pessoal e os ciberpunks
Timothy Leary (1920-1996) — ou Guru do LSD, como ficou conhecido nos anos 1960 — é um importante ícone da contracultura. Foi professor de psicologia e psiquiatria em Harvard nos anos 1950 e ganhou grande notoriedade quando passou a misturar produção científica e experimentação lisérgica: propôs aos seus alunos que consumissem LSD para que entendessem melhor as potências daquilo que estudavam. Entre 1960, data de sua expulsão do quadro docente de Harvard, e os anos 1970, Leary foi preso 36 vezes em diferentes partes do mundo por sua relação considerada apologética e subversiva com as drogas. Um dos momentos mais profícuos de sua produção curiosamente é contemporâneo aos dois mandatos de Richard Nixon (1969-1974), presidente americano que se destacou, entre outras coisas, por sua política de guerra às drogas. Ao fim dos anos 1970, Leary somaria ao espectro de suas pesquisas os avanços da computação. Para ele os computadores seriam máquinas capazes de instrumentalizar e potencializar os efeitos “expansivos” do LSD. Suas publicações sobre o tema são consideradas precursoras do movimento cyberpunk, cuja influência no contexto da computação torna-se relevante entre os anos 1980 e 1990. Nesta aula também trataremos do surgimento da internet, já que seu desenvolvimento teve influência decisiva de princípios hippies — além de militares e científicos, evidentemente.
Aula 4
Jeron Lanier e a digitalização dos sentidos
Jaron Lanier é um dos cientistas mais influentes no campo recente da computação, sendo conhecido sobretudo por seu pioneirismo na concepção e no desenvolvimento de lentes de Realidade Virtual. É considerado por muitos o fundador e o principal pensador deste campo do conhecimento. A obra de Lanier nos ajudará a pensar a história recente da relação entre a superfície sensível dos corpos e a evolução das superfícies digitais, sejam elas imagéticas, sonoras ou hápticas. Em entrevistas, Lanier conta que sua concepção de Realidade Virtual surgiu em meio a tentativas de simular imageticamente sensações lisérgicas. Se um computador pode simular o efeito de drogas psicoativas, o que mais ele não poderia fazer? A questão disparadora, portanto, é: os computadores podem substituir a realidade sensorial? Nesta aula, mais que responder essa questão, perseguiremos uma outra, talvez mais importante, que acreditamos ser substrato para a primeira: quais os pressupostos epistemológicos e tecnológicos em jogo para que seja possível confundir (ou querer confundir) realidade sensível e realidade digital — e, no limite, subjetividade e algoritmos? Para travar essa discussão precisaremos fazer uma breve digressão na história da psicologia e na história dos computadores. Veremos que essas duas histórias se cruzam durante o século XX e que esse cruzamento é condição de possibilidade para os anseios mais ambiciosos de digitalização da realidade (Realidade Virtual, Aumentada e Mista).
Sobre o professor
Leandro Carmelini tem graduação em Biologia pela Universidade Católica de Vitória, mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ. Seus temas de pesquisa são: corpo, algoritmos, cognição e subjetividade.
Publicações recentes:
https://www.n-1edicoes.org/anjos-tronchos
https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/178991
http://www.nomads.usp.br/virus/virus21/?sec=4&item=11&lang=pt
Quando
Dias 26 e 28/01 e 02 e 04/02
(quartas e sextas-feiras)
Das 19h às 21h
Onde
Online
As informações de acesso serão disponibilizadas por e-mail.
Após o início do curso você terá acesso à plataforma de estudo d’A Casa por 3 (três) meses, onde poderá rever as aulas gravadas, ter acesso a materiais referenciais e espaço livre para prática e troca entre alunos e alunas.
Turma
Sem limites de vagas
Investimento
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