por Ângela Castelo Branco
O papel da orelha na escuta é visível. Sabemos. Por seu desenho de concha, transporta e amplifica as ondas sonoras até o conduto auditivo (depois disso, muita coisa acontece). Apêndice posicionado em cada lado da cabeça, cartilagem altamente flexível e proeminente, segue rodeada por carne, pele e muita penugem misturada com cera.
Além de acabar com a monotonia dos cabelos, o que chama atenção é que as orelhas parecem ter uma intimidade fundamental com as mãos. Ajudam a concretizar algumas palavras e também auxiliam na educação delas.
Explico melhor:
O movimento de pinça (indicador e polegar) segurando lóbulo de uma das orelhas: indica que algo muito de delicioso aconteceu e é preciso dizer a alguém.
Mãos mais velhas pinçando a parte superior de uma orelha mais nova: lembrança de que já fomos crianças.
Mãos em forma de concha em uma ou nas duas orelhas de uma só vez: somos todo-ouvidos.
Mãos tapando as orelhas: a voz interior tem um som muito maior que a voz exterior, que não posso suportar.
Dedo indicador para cima e para baixo dentro do pavilhão auricular: algo me coça e quer nascer na região da garganta.
E, por fim, o maior indício da função educadora das orelhas é a relação específica que ela mantém com os dedos indicadores de ambas as mãos. Suas depressões e relevos em forma de búzio, fossa, cuia, criam rotas por onde os dedos aprendem a caminhar em “s”, experimentando uma pedagogia da curva.
Após passar pelas orelhas, os indicadores, por fim, passam a duvidar da necessidade de apontar ou acusar o outro como primeira opção. Preferem dançar, preferem entrelaçar-se.
Passam a cutucar as pontas da página enquanto escutam o texto.
E algo incrível acontece: dedos criam orelhas. No papel.