por Ângela Castelo Branco
A boa nova anunciada à natureza
“A boa nova anunciada à natureza” é o escândalo que a minha época não aceita. O Ser existe como beleza, mas nós perdemo-lo e percorremos toda uma órbita excêntrica para o voltar a encontrar. A Boa Nova dirige-se à Terra no seu todo: não só porque nesta se desenvolveram entidades irredutíveis mas também porque é no seu todo que está ameaçada.
Deixou de se formar a partir da Beleza.
A ideia de que tudo o que não é humano tem, tal como o humano, necessidade de redenção, é vital para a nossa continuação aqui, ou noutro lugar.
No momento da posse, no poema de 11 de Junho (poema que nunca foi encontrado) tudo participa nas diversas partes: a boca, a copa frondosa, o cogumelo, a falésia, o mar, a erva rasteira, a leve aragem, os corpos dos amantes. Os três sexos que movimentam a dança do vido: a mulher, o homem, a paisagem.
Esta é a novidade: a paisagem é o terceiro sexo.
A paisagem não tem um sexo simples. Nem o homem, nem a mulher. Há, no entanto, alguns fatos que aqui consigno:
Na paisagem, ou na geografia imaterial da espécie terrestre, os seres humanos distribuem-se em vagabundos, em formadores, em construtores e em poetas.
Os vagabundos erram à procura de uma nova paisagem. São, desde sempre, exteriores à comunidade. Os construtores são os elementos estabilizadores que prendem toda a geografia imaterial à vida quotidiana. Os formadores sentem essa geografia porque o seu órgão é o coração. Os poetas vêem, e anunciam a geografia imaterial por vir.
Os construtores, os formadores são peregrinos.
Os poetas também o são, de certo modo. Há uma grande afinidade que os liga aos vagabundos. Porque são os únicos que desejam o retorno do ser como Belo.
É vital conhecer a paisagem.
(…)
(Llansol, Maria Gabriela, Onde vais, drama-poesia?, 2000, p. 44-45)
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por onde começa uma paisagem? não sabemos como começamos.
no entanto,
há uma árvore aqui na minha janela, mais exatamente uma copa inteira.
que arranha o vidro da sala, que se move inteiramente com o vento à noite, faz sombras na parede do quarto sustentando a luz da rua e da lua.
que esconde os cantos de sabiás-laranjeira e de almas-de-gato.
há uma árvore na minha janela. que não sei a espécie, que solta suas folhas diariamente, cada uma a seu tempo e lugar.
há uma árvore que abre o sol por entre.
há uma árvore que me narra um dicionário de sopros.
há uma árvore,
posso chamar isso de paisagem?
não sei se a alcanço com o olhar.
há uma árvore. e não sei explicar-lhe a diferença entre moral e ética, entre partir e ficar.
há uma árvore enquanto leio Maria Gabriela Llansol.
há uma árvore
e esse pode ser um modo de começar.