Histórias de um mundo nem tão distante assim…

 

por Janine Rodrigues

 

Sempre adorei gatos. Acho eles misteriosos, divertidos, engraçados, curiosos e, principalmente, sempre me pareceram ter um verdadeiro compromisso com eles mesmos. Pode ter quem ache isso egoísmo. Eu acho que é coragem. É preciso coragem para praticar desejos. Para fazer o que sente. Para enfrentar desafios quando a vontade de viver o novo supera o medo do desconhecido. Já reparou quando tem um gato na rua e passa um cachorro, por exemplo? Até o último minuto o gato, geralmente, observa o cachorro. Se o cachorro de fato vai em sua direção ameaçando um ataque, o gato corre. Caso contrário,  se ele só passa perto do gato, o gato só observa. Não corre, parece até indiferente. 

 

Eu mesma, quando criança, ficava curiosa com a curiosidade dos gatos. Tem até aquele ditado ‘’ a curiosidade matou o gato’’. Eu acho que foi a coragem do gato que não deixou que matassem sua curiosidade e criatividade. Porque olha…que bicho criativo é o gato!! 

 

Histórias de um mundo nem tão distante assim é uma das três histórias do meu livro “Contos Piraporianos’’. Nela, dois gatos vivem em mundos diferentes: Num mundo é sempre dia. No outro mundo, sempre noite. Eles não são infelizes. Não querem fugir de nenhum mal. A questão é que mesmo tudo estando bem, tudo era sempre igual. E gato que é gato não vive sem espaços de exercício da criatividade, do inesperado, assim como é na infância.

 

 

 

Há um impasse com os gatos. Eles queriam ficar. Mas também queriam partir. E isso me faz lembrar das crianças, quando tantas vezes ela ouve: Ou é isso, ou aquilo. Se for isso, não pode ser aquilo. Se você escolheu esse, porque está triste? 

 

A todo momento questionamentos se elas não se mostram ‘’decididas’’. Não só decididas mas decididas dentro de uma lógica que é do outro e não a delas. 

 

Certa vez uma criança fez pra mim um desenho de um prédio com um rio no meio. Ele quis deixar evidente que era um rio e não uma piscina. Na mesma hora lembrei da história que escrevi sobre estes dois gatos. Como fazer quando queremos ir, mas também queremos ficar? 

 

Os gatos curiosos trocaram de mundo. Um foi para o mundo do ‘’sempre dia’’ e o outro para o mundo do ‘’sempre noite’’.  Houve estranhamento: Eram novas cores, novas pessoas, sons diferentes… Sentimento de maravilhar-se com o novo mas saudade do conhecido, do aconchego. Voltar…ficar… 

 

É como mudar de casa, adorar a casa nova mas sentir saudade da casa antiga. Do cheiro dela. É o frio na barriga da nova escola, da nova professora e o direito ao espaço de viver a saudade do que passou. 

 

É como a alegria de crescer e perceber que agora, maior, pode-se fazer coisas novas mas o suspense de não saber o que estas coisas novas vão trazer. 

 

É a mãe que mora em outra casa. O pai que mudou de cidade. O tio que morreu… É toda uma vida nova se apresentando lá na frente e esse querer vivê-la misturando-se ao querer voltar para aquilo que já passou. Mesmo a gente já sabendo o que vai acontecer.

 

“E já que ambos queriam ficar e ambos queriam partir. E já que existe beleza no dia tão grande quanto a beleza da noite, os dois gatos resolveram resolver aquela questão. Uniram seus mundos e entraram num acordo: Parte do tempo seria dia e parte do tempo seria noite. E foi assim que viveram todos os dias, todas as noites, juntos.’’ 

 

 

Histórias de um mundo nem tão distante assim, do livro Contos Piraporianos

Autora Janine Rodrigues

Ilustradora Dayanne Uchôa

Editora Piraporiando

Janine Rodrigues é escritora de literatura infanto-juvenil e educadora, fundadora da Piraporiando. É carioca, tem 39 anos e ama a infância e a diversidade. Escreve histórias desde os 7 anos. É autora de 6 livros. Tem medo de borboletas. Adora amarelo, comer canjica e ver filmes repetidos. Passou a infância em Cardoso Moreira, interior do Rio. Filha de dona Jurema e do saudoso seu João. Irmã de Miriam, Silvana, Jonathas e Carlos Augusto. Dos seus 6 livros publicados, 5 são de histórias que ela criou na infância. 

 

 

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