por Ialodê Charmite
Logo no início de meus devaneios, em busca da escrita ideal, que contemplasse a proposição do livro que vos apresentarei; percebi que só me vinham sentimentos e sensações, mesmo que a busca fosse por palavras.
Eram eles a sensação de espelho embaçado pelas vivências perturbadoras de ser mulher preta em um país de racismo velado; respiração ofegante de tanto correr nesta eterna competição de pseudo meritocracia e coração desritmado pelas “batidas” descompassadas deste estado policial que só se ocupa de nos matar.
Sentir, se ver, se reconhecer e viver por essas bandas não é algo fácil e para muitos que estão lendo este texto agora, essa não é nenhuma novidade.
Remexendo minhas memórias em uma Universidade Pública Federal, podemos constatar que não surgiu nada de muito novo no paraíso também (riso seco). Mudou-se as caras, os status sociais, as falas passaram a ser mais rebuscadas e os currículos mais cheios de palavras. Porém continuou sendo difícil ter nascido retinta.
Por isso ‘graduação’ é a palavra gatilho desta nossa empreitada e em muito tem haver com o sonho de transformação pessoal e social de toda uma comunidade. E é neste contexto que entra uma mulher incrível que decide mostrar ao mundo, começando por Nova York/E.U.A., que assim como eu, existem várias outras mulheres pretas que mesmo com as intempéries da vida, lutam para ocupar seu espaço de direito na academia brasileira.
Uma exposição que contava com nossas fotos, mini biografias e relatos de fatores raciais que tentaram atrapalhar nossa caminhada. Esta fez tanto sucesso, que como o espalhar inebriante de uma gargalhada a já mencionada exposição se transformou em um livro.
Composta por algumas participantes da exposição, outras convidadas e mais personalidades bibliografadas, nasce assim a obra literária “MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS: Presença e Poder – da exposição ao livro”.
— Peço licença para as seguintes indagações: quantos livros baseados no protagonismo de mulheres pretas, não midiáticas, você já leu? Destes, quantos permitiam que estas fossem donas de suas próprias narrativas? Pois bem…
Claro que fazer parte da escrita de tal livro, poderia me deixar em situação meio desconfortável ao falar sobre ele, afinal incorporo um papel pouco impessoal nesta relação. Mas, pelo contrário, me sinto mais à vontade para escrever sobre aquele que tanto influiu em minha vida.
Não só como autora (sendo minha primeira publicação), mas também como mulher preta que por diversos momentos não consegue enxergar-se socialmente, que não se encaixa na meritocracia falaciosa de nosso estado e que mais do que nunca vê seus pares sendo desumanizados e exterminados.
“Mulheres Negras Brasileiras: presença e poder…” é um brinde ao acalento ancestral que só as vivências nos permitem contemplar; junção de diversas gerações, regiões, visões de mundo, memórias e lutas. A verdadeira mescla salutar dos elementos que compõem a vitalidade e império da mulher negra brasileira, que muito mais do que mazelas é potência.
Descobrir o quanto tem mulheres que fizeram e fazem muita diferença na construção do Movimento Negro no Brasil, saltar em suas nuances mais profundas, deleitando-se inclusive em suas infancias é importantissímo para compreender o quanto “nossos passos vem de longe”.
Aferir a densidade das nossas conexões ancestrais por meio de muitos dos capítulos deste livro, só nos faz valorizar mais o “Quem somos e de onde viemos” e perceber que, assim como nesta obra, a união das várias visões de mundo pode nos fornecer grandes experiências.
Em 39 bibliografias é possível mergulhar por realidades Quilombolas; histórias familiares; trajetórias feministas; atuação de educadoras e filósofas que modificaram e interferem até hoje em paradigmas de nossa sociedade; autoras que carregam impávidas a força da escrita preta; relatos de racismo e superações; empoderamento feminino preto; dentre outras pautas que mais do que nunca emanam vida.
Esta é uma obra literária em que pretas: gordas, magras, LGBTQI+, héteros, jovens e mais experientes, letradas ou não letradas, da capital ou dos interiores, religiosas ou não, artistas, ativistas e muito mais… podem se ver representadas. Nesta homens pretos também encontram pertencimento, afinal não existe homem que não tenha em sua vida uma mulher. E para os pares não pretos, ter acesso a tal leitura, descortina a presença e poder da mulher negra brasileira.
Assim, após tantos devaneios, sentidos, sensações, sentimentos… Tanta escrita. Fica aqui meu singelo e amoroso convite à este mergulho propedêutico na existência de “MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS: Presença e Poder – da exposição ao livro”.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental (formada no extinto Instituto de Educação Professor Moysés Henrique dos Santos/CIEP 179 Professor Cláudio Gama). Atua como contadora de histórias na empresa Histórias de Ialodê. A empresa foi fundada em 2017 e tem por objetivo disseminar histórias presentes na cultura brasileira, especialmente as história de origem africanas e as afro-brasileiras.