por Liliana Pardini
Esses dias iniciei uma nova aventura: dei meus primeiros passos na caligrafia japonesa.
Sei que é um caminho de uma vida inteira e eu, com muito otimismo, só tenho mais metade. Mas não pretendo aprender japonês e muito menos adquirir alguma maestria na arte do shodo. Quero experimentar escrever uma única frase, que é também o significado do shodo: o caminho da escrita.
Coloquei a tinta no pote, mergulhei o pincel. Quando o traço preto percorreu o papel branco, o prazer que senti me transportou para esse livro, companhia durante uma viagem de trem em 2018.
Junichiro morava numa cidade nos arredores de Tokio, a cosmopolita Yokohama. Em 1923, sua casa foi completamente destruída por um terremoto. Ele teve de se mudar para a província de Kansai e construir uma nova casa. Este ensaio é sua reflexão sobre esta construção.
O Japão passava por uma revolução cultural, da qual o escritor fazia parte, e esse ambiente, de desprezar a tradição e se abrir aos novos ventos ocidentais, chegou às casas de materiais de construção.
Ao que parece, um cômodo sagrado para Junichiro era o banheiro. Antes, ele tinha que sair da casa principal e caminhar pelo jardim até chegar no seu “local de reflexão”. Diz que o frio que sentia no percurso despertava a estesia, o contrário de anestesia, a capacidade de perceber o sentimento da beleza. Lá, pensava admirando o céu e contemplava os veios da madeira das paredes. Queria um banheiro igual. Mas não encontrava mais portas de correr de papel e nem revestimentos de madeira. Agora as portas disponíveis eram de vidro, o revestimento de azulejo e o banheiro deveria estar dentro de casa. Tudo pela praticidade.
Ao procurar aquecedores para instalar na sala de estar, só encontrou aquecedores elétricos, que não mais exibiam a estética do fogo.
“Tudo agora é exposto, iluminado nos mais mínimos detalhes”.
E então ele começa seu elogio à sombra. Reconhece que os japoneses desassossegam diante de objetos cintilantes. “Faz parte da natureza do oriental valorizar (…) objetos marcados por constante manipulação, fuligem, chuva, vento”.
Imagino que para relaxar diante de tanta contrariedade durante essa construção, ele foi até seu restaurante favorito. Teve um choque ao perceber que a iluminação a velas tinha sido substituída por lâmpadas elétricas. O dono do restaurante ofereceu a possibilidade de apagar as lâmpadas de sua mesa e trazer velas, o que ele agradeceu profundamente. “A verdadeira beleza da laca só se revela na penumbra”, “o tremular da chama faz-nos saber que leves aragens visitam vez ou outra a placidez do aposento e convida-nos a devanear”.
Enquanto erguia sua casa, arquitetou o seu santuário da Literatura: “projetaria um beiral amplo, pintaria as paredes de cores sombrias, enfurnaria nas trevas tudo que se destacasse em demasia”.
Na releitura desse ensaio, percebi porque um traço de sumi (tinta) no washi (papel) me transportou de volta para ele: “a beleza não existe na própria matéria, ela é apenas um jogo de sombras e de claro-escuro surgido entre matérias”.
Em louvor da sombra
Junichiro Tanizaki
Penguin Companhia
2017