por Tati Fraga
IV.
estamos num parque urbano agachados no asfalto
de uma das vielas que entrecortam árvores de outros tempos
não há ninguém ali a não ser as antigas construções
amarelo-terrosas de um cenário que povoou lembranças
no chão craquelado de uma rua estreita repousa
um prato fundo com amoras e framboesas maduras
posta de cócoras, quase em reverência, tenho em concha
as mãos que acolhem um porco pequenino e
vermelho de um vermelho lúcido luminoso vinolento
o homem em pé tempera o animalzinho com água morna
a partir um jarro de porcelana branca
ao verter um pouco d´água, o sangue que cobre o porco
escorre e se mistura ao sangue das frutas, você vê?
por alguns segundos seu couro está limpo e claro
mas logo umedece e se encharca novamente
é um ritual ingênuo e maculado por isso não
consigo me livrar dessas memórias
por mais que eu não lhes faça caso
vivo meus dias povoada por essas noites
crédito das imagens:
david chan
ridd herzog