por Liliana Pardini
Esse amor começou com a minha livreira preferida de cupido. Chegou pelo correio, com o já tradicional embrulho de tecido e a flor de crochê da Biblioteca Amarela.
Eu tinha acabado de me decretar em férias. Sentei no meu lugar de ler, sem relógio nem celular.
Sofia me conta que respondeu à pergunta da professora — o que quer ser quando crescer? — na frente da turma toda do sexto ano:
— Eu quero ser inútil.
Caíram na gargalhada, claro. Menos a professora, claro. Convocou uma reunião com seus pais e a diretora da escola.
Seu pai já tinha lhe dado uma bronca daquelas por conta de sua avaliação de matemática. Ignorou seus bons conceitos em artes e música e esbravejou:
— Sofia, já é hora de se concentrar, de entender que falta cada vez menos para que você tenha que ganhar a vida e que deve se esforçar e dedicar seu tempo a coisas mais importantes.
Ganhar a vida. Essa frase ficou dando voltas na cabeça dela. Afinal, o que isso significa?
Mas você deve estar se perguntando como uma menina de 11 anos e meio conseguiu dar uma resposta tão original a essa pergunta que os adultos insistem em fazer para as crianças, como se uma criança só começasse a ser depois de crescer.
Bem, digamos que ela ganhou alguns pontos de vista:
— de um velhinho que entregou a ela e seus dois amigos três bolotas (sementes de carvalho), dizendo que assim oferecia a eles um bosque;
— de uma bióloga, perguntada enquanto media estrelas do mar: para que serve estudá-las?, que devolveu com essas perguntas: para que serve um arco-íris? Ou um pôr do sol?
— de uma pintora que perseguia a luz;
— de um grupo de músicos que “Eram pura alegria à solta. Tocavam pelo gosto de tocar. Eles não faziam música, eram a música. Não dançavam, eram a dança. Não estavam na praia, eram a própria praia”.
O que aconteceu com Sofia, você vai ter que ler para descobrir. Talvez também saia do livro como eu, com um inútil sorriso sabor férias.
A praia dos inúteis
Alex Nogués
Ilustrações Bea Enríquez
Tradução Maria João Moreno
Editora Biruta