por Angélica de Almeida
e Ivy Ota Calejon
Lembro-me de uma pergunta feita em uma de nossas aulas (no dia 16/11) – acho que pela Ângela – “com o que vocês escrevem?”… e também me lembro do quanto essa pergunta ficou martelando na minha cabeça.
Nesse “bando” da pós-graduação Gestos de Escrita como prática de risco tem gente que escreve de tantos e tantos jeitos… e tem a Ivy…que escreve bordando, ou borda escrevendo.
E ela bordou nossas palavras, nossos dizeres, nossos (des)gestos lá do Ateliê “Lixar o texto”… E encantou-me mais uma vez!
Eu voltei a pensar naquela pergunta, lá da aula do dia 16/11… e pensei novamente em algo que já tinha ocupado minhas reflexões a partir dessa mesma pergunta… andei (e ando) pensando em com o que lemos?
Será que ler palavras escritas com a caligrafia, que é própria de cada pessoa, é a mesma coisa que ler palavras digitadas, que estão quase sempre no mesmo formato e que sem assinatura nem sequer sabemos quem escreveu? Como professora há quase 20 anos, muitas vezes recebi atividades sem nomes e muitas vezes as identifiquei pela letra já conhecida por mim daqueles/as estudantes. Trabalhos digitados, sem nome, não permitem isso…
E será que ler palavras escritas/digitadas é a mesma coisa que ler as mesmas palavras bordadas? Bordadas num tecido, bordadas numa lixa, bordadas aonde o gesto levar a bordar… certamente, não! Esse bordado é muito mais que uma escrita, é uma arte, que mistura muitos gestos. E que corporifica de outra forma as letras, as palavras, os pensamentos, os diálogos, as conversas…
Sim, quando lemos um texto escrito à mão ou no computador, ele ativa nossos sentidos…a visão é o primeiro deles. Mas o conteúdo do texto pode ativar outros sentidos, causando sensações, trazendo memórias olfativas, táteis, auditivas…nos reportando a outras formas de sentir a escrita, além de vê-la.
É como se um “olho interior” fosse despertado e a gente pudesse “ver de dentro”, mas também despertam-se os outros sentidos. É um ouvir a escrita, tateá-la, sentir seu cheiro ou cheiros aos quais ela nos remete, é “degustar a escrita, as palavras” (1).
A gente tem tido oportunidades de ouvir escritas nos áudios que pessoas do bando compartilham. Em outros momentos ouvimos e vemos, vemos escritas, imagens, movimentos. E quando recebi as imagens do bordado da Ivy Ota Calejon hoje, senti vontade de tatear e de cheirar essa escrita. Não apenas ler o escrito, mas sentir. Sentir o contraste da aspereza da lixa com a maciez das linhas bordadas. Sentir o cheiro desse gesto. Fiquei pensando se seria possível, fechar os olhos e ir sentido as letras, uma a uma, assim como fazem os cegos com o braile. Será que seria capaz de sentir o texto e lê-lo dessa forma? Que cheiros eu sentiria nesse material?
“A ESCRITA É UM TOQUE, porque sempre vai tocar o outro” (2).
Os gestos bordados da Ivy (de nossas escritas) me tocaram. E me fizeram sentir vontade de tocar o gesto de nossos (des)gestos!
Embu das Artes, 04/01/2021
bordado à mão sobre lixa, de Ivy Ota Calejon
imagem de Gaby Rodrigues.
notas:
1-As partes entre aspas foram trazidas de falas do Gandhy Piorski no curso online “Os 5 sentidos e a educação”, do qual participei em 2020.
2-Fala da Renata Stort no curso online“O desejo da escrita”, realizado em 04/08/2020.