CASA DA VÓ por Liliana Pardini
Quando recebi o convite para escrever aqui, uma palavra cintilou: indicar livros que sejam um TESOURO para nós.
Não é livro para levar para a ilha deserta, cheios de conteúdos que nos alimentem por muito tempo, nem livro para salvar do incêndio (que eu possa passar pela vida sem essa escolha de Sofia). Olhei para a estante e encontrei os que são pegos com reverência, conservados em suas embalagens originais, invejados pelos outros livros devorados, grifados, grafados e de orelhas dobradas, coitados.
O primeiro que escolho é Casa da vó, da Lissa Sakajiri. Retirá-lo da luva de fino papel manteiga convoca a delicadeza de tirar os sapatos e deslizar a porta de correr de Dona Kazuko.
Sou de novo criança, convidada pela Lissa, também com seus cinco anos, a passar o dia na casa de sua avó. Num misto de curiosidade e timidez, respeito e espírito explorador, vou desdobrando cada cômodo, cada mistério da casa.
Lissa me mostra seu esconderijo, a mesinha de centro da sala de estar. Tão pertinho do chão que só ela da família cabe embaixo, onde escreve segredos com giz de lousa.
Brincamos com os bibelôs da primeira prateleira da estante, bonecos de madeira, mini conjuntos de chá de porcelana e admiramos os que estão fora do alcance, intocáveis, animais de material frágil, só para os olhos.
Encontramos sua avó na cozinha, reino do cetro da colher de pau. Aprendo a paciência necessária para não queimar a boca com o tempurá recém frito e o gesto sutil dos ohashis.
Ouço uma língua desconhecida, “como uma pessoa quase surda no meio de falantes”, que entende o sentido pela entonação da voz.
Conheço seus antepassados por fotografias. Moram num santuário perfumado de incenso e flores do jardim, almas cuidadas todos os dias.
Acho a casa grande, me sinto um pouco perdida. Quando penso que já vi tudo, um novo quarto se abre.
Lissa me mostra os objetos da penteadeira do quarto de sua avó: os colares de pérolas e de cristais, abotoaduras do avô, grampos com strass, o pote de pó de arroz com uma almofada grande e felpuda. Conta o quanto a avó se arruma quando vai ao Karaokê.
E a visita termina, com a sensação de que numa tarde cotidiana algo de sagrado me foi revelado.
Sakajiri, Lissa — Casa da Vó, 2018, Devora Editorial.