[Poemas à porta] O Gerânio Vermelho e o Divino Resedá, por Natalia Barros

por Natalia Barros

O GERÂNIO VERMELHO E O DIVINO RESEDÁ

Pode-se jamais imaginar a mente de alguém pensando

                                                          um gerânio vermelho?

Como se o vermelho do gerânio pudesse ser qualquer coisa diversa

de uma experiência sensual,

e como se a experiência sensual pudesse preceder os sentidos…

Sabemos que nem Deus podia imaginar o vermelho do gerânio,

Vermelho,

ou o perfume do resedá,

antes de haver gerânios e resedás.

E mesmo que já os houvesse, até Deus precisava de um nariz para

sentir o aroma do resedá.

Não se pode imaginar o Santo Espírito aspirando o odor de um

heliotrópio pintalgo em cereja.

Ou o Altíssimo, na era do carvão, a martelar seu crânio gigante,

mesmo que ele tivesse crânio; exercitando toda a força da sua mente,

a pensar, entre os musgos e o lodo de lagartos e mastodontes

a pensar, em abstrato, quando tudo era lodo verde e crepuscular:

Faça-se já – zás trás –

rápido, presto, gerânio vermelho e resedás”

Sabemos que assim não podia ser.

 

Mas imagine-se – entre o lodo dos mastodontes –

Deus suspirando e desejando, num tremendo desejo criador, na

verde-escura confusão  –

Ah! E uma outra beleza!…e uma outra beleza

enfim desabrochando – o gerânio vermelho e o resedá.

 

 

  1. H. Lawrence

alguma poesia

Tradução: Aíla de Oliveira Gomes

  1. A. Queiroz, Editor

 

 

 

O mundo está em construção; deus também. A criação a partir de um campo magnético de desejo. O que podemos criar, que não esteja também desejando se criar? Criar vida, desde um lugar sedimentado em terras inundadas, como o fundo dos mares, rios, lagos ou pântanos, com partículas provenientes de matéria orgânica decomposta em suspensão no meio aquoso. Uma terra em ebulição, rica, um berço esplêndido. Um lodo original, verde, caótico e confuso de fertilidade arcaica.

No poema, deus está martelando seu próprio crânio e, ainda que não possua essa caixa óssea, força-o a criar existência, com suas próprias mãos. Exercita o pensamento concretamente, a partir de um corpo sensível, animado, exposto ao campo do desejo do que quer vir-a-ser. Na pré-história de deus, entre lagartos e mastodontes, ele “suspira e deseja” e sua criação, não é aqui, um objeto mágico – zás trás, mas pulsa lenta e profundamente, livre do tempo cronológico. E no mesmo campo vibracional – da lama – as flores-sementes, também desejam vir ao mundo. Espetaculares, vermelhas e perfumadas. A beleza emerge eroticamente, pelo mútuo desejo.

A beleza impulsiona o pensamento a brotar da terra.

 

Imagem externa: pintura rupestre – Serra da capivara – Piauí – BR

Imagem interna: flor – Natalia Barros

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