Não se esqueça de viver-Pierre Hadot

 

por Liliana Pardini

 

Recebemos a recomendação desse livro do Professor Jorge Ramos do Ó, durante uma aula da pós-graduação Gestos de Escrita como prática de risco. Assim que ele mencionou, lembrei do tamanho da fila de livros à espera de leitura e fingi que não registrei. Depois uma das alunas disse estar gostando do livro e ele foi para aquele limbo chamado carrinho de compras, você conhece bem, né? No dia em que a amiga decretou: você tem que ler esse livro, aí não teve mais como escapar.

O título do primeiro capítulo já me fez pausar a leitura e voltar pra dentro: “A presença é a única deusa que eu adoro”. Achei bonito, mas difícil. Até anotei no caderno, comentando: como é que vou gostar, adorar o presente no meio dessa pandemia, com um desgoverno desses, longe das amizades?

Fiquei com essa frase em mim. Juntei com uma história budista que ouvi há tempos de um professor de yoga. Um ocidental visitou o monastério e perguntou a um dos monges: como vocês fazem para praticarem a evolução espiritual? E o monge: Nós respiramos, comemos, caminhamos. O rapaz ficou confuso: Mas eu também faço tudo isso. E o monge: Sim, mas há uma diferença. Quando nós respiramos, sabemos que estamos respirando. Quando comemos, sabemos que estamos comendo. Quando caminhamos, sabemos que estamos caminhando. Lembrar desta história me fez colocar em prática esse sábio conselho. Me peguei “me nomeando” nas mais simples ações diárias: sou uma lavadora de espinafre, sou uma bordadeira, sou uma escritora, sou uma regadora de plantas…

Isso fez com que eu saboreasse cada palavra do livro.

“Viver cada instante como se fosse o último, mas também como se fosse o primeiro” (p. 34)

Há dois textos atrás, escrevi aqui no blog sobre a perspectiva da morte do Sêneca. Ter a coragem de encará-la de frente, fortalecer-se com essa verdade. Sim, muito importante. Mas depois de tanta pedra quebrada, foi delicioso ter o Pierre Hadot para me lembrar de viver: VIVERE MEMENTO.

E como viver? O autor, inspirado pela poesia de Goethe, sugere investir a vida, prodigamente, naquilo que se ama. Aqui lembrei do que ficou em mim do livro A idade da Razão, do Sartre, lido no fim da adolescência. Um personagem que buscou tanto a liberdade que acaba por não se envolver com nada, por não construir nada. Nesse livro agora fiquei com o entusiasmo de oferecer a vida, o tempo, ao que significa poesia para mim.

“… a poesia não representa um gênero literário praticado por um escritor, mas uma atitude, um exercício espiritual caracterizado por aquele movimento de desapego de si que transforma nosso pensamento e nossa ação, uma transformação da relação com o real, uma ‘transfiguração do cotidiano’” (p. 146)

Esse livro foi uma boa companhia. Tão boa, que deu vontade de exclamar como Goethe, nas palavras do Fausto, ao instante: “Perdura, tu és tão belo!”

Quem sabe agora ignoro a fila de livros à espera de leitura e recomeço este todinho de novo.

 

 

Não se esqueça de viver

Goethe e a tradição dos exercícios espirituais

Pierre Hadot

É Realizações Editora

2019

 

 

 

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