por Ivy Ota Calejon
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Adentro o abismo que escolhi e começo a bordar. Um modo. Blanchot é uma voz vinda de outro lugar. Atiro tudo no poço e aguardo a colisão.
O tecido ganha cor depois de banho com tanino guardado na geladeira de um outro tingimento.
A textura que fica anuncia a pele, a memória árida, a retidão. Nenhuma verdade em curso.
O corte no sentido da largura prepara o gesto para os passos porvir, persigo uma voz vinda de outro lugar.
Bordar como quem busca um caminho a seguir. Pele cor de fio, tule cor de pele, tecido-pele.
Mãos seguram a agulha e os pés apontam a direção. É preciso querer. Bordar é cavar. Lembra-te.
Cavar pontos e fissuras, o poço é ponto derradeiro. O trajeto é contínuo, mas a ruptura é presente. Então a faço.
Passei dias cerzindo a borda do que agora sei ser a extremidade. Um gesto obstinado me reteve ali.
A confissão se torna urgente, a colisão também. Não sei bordar, mas algo borda em mim.
Camadas de tule cobrem o tecido. Estou há dias soterrada, aguardando a captura de outros gestos. Os fios já não se apoiam sobre o que quer que seja.
Um gesto cortante anuncia a colisão. O fio vermelho legitima a passagem. Corpo-passagem.
Há sempre aquela presença, vultos reais demais para durar, um eco, o trem.
Um duplo silêncio enche a boca, um traço insistente se faz vermelho. Corta o tecido daquilo que seria o entremeio. Pindorama______Jales.
Lembra-te de que não terminamos de nascer.
Ivy Ota Calejon é especialista em artes manuais para a educação pel’A Casa Tombada. É idealizadora do coletivo artístico Colar de Lina e do Tecituras de Lina, onde investiga o fazer manual, o tingimento natural, a escrita e o corpo performático.