Ninguém saberá jamais o quanto amo a Diego, por Keila Knobel

por Keila Knobel

 

 

Ouvi a notícia da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil no rádio, entre o aeroporto e minha casa. Voltávamos da Colômbia. Uma mala pequena, mas pesada, veio carregada de livros. Meu tesouro veio comigo na mala de mão (tenho medo de que sumam com minha mala). Foi o último livro que encontrei na última livraria em que entrei, no último dia de passeio, na última cidade visitada. Como se todos os outros livros tivessem me conduzido a ele. El diário de Frida Khalo: un íntimo autorretrato (La Vaca Independiente, Cidade do México, 1995/2017) é nada menos que a reprodução completa do diário dos últimos dez anos de vida da pintora mexicana (1944 a 1954).

 

Segurar esse livro com caligrafia, rasuras e desenhos íntimos de Frida me excitou ao mesmo tempo que me constrangeu – quem escreve diários sabe da privacidade que se espera dessas páginas. Primeiro, me embriaguei com as imagens incrivelmente potentes. Depois li a introdução de Carlos Fuentes e o ensaio de Sara Lowe, que além de discorrerem sobre a vida e obra de Frida, contextualizam o diário e comentam alguns dos trechos. Então, dias depois, me rendi à leitura. Lenta, porque intensa e às vezes dolorosa. Ainda hoje não o li inteiramente e não houve modo de apressar-me, nem de deixar de compartilhá-lo já.

 

Quase todos desenhos do diário são marcadamente espontâneos e eram feitos com os materiais que estavam à sua disposição no momento. Pouquíssimos se relacionam a estudos os obras concluídas.

 

Para além de ler algo sobre seu cotidiano, fui tocada por listas de palavras, poesias, cartas, reflexões políticas e por confissões de seu profundo amor por Diego Rivera. Atravessada pela escritura de si com tudo que lhe comede. Corpo prazeres e dores. Vida amores e alegrias. Resistência física emocional e política. Fragmentação e morte.

Nada vale mais que a risada e o desprezo Rir é força. e abandonar-se. ser cruel e rápido. A tragédia é o mais ridículo que “o homem” tem mas tenho certeza de que os animais, embora “sofram”, não exibem sua pena em teatros abertos nem fechados (as “casas”). E sua dor é mais certa que qualquer imagem que cada homem possa “representar” xxxx e sentir como dolorosa. Tradução livre.

 

 

A inscrição do pertencimento, da singularidade e da subjetividade me arrebatam a cada virada de página.

 

 

para que me mantiveram os outros, com seu trabalho? A revolução é a harmonia da forma e da cor e tudo está, e se move, sob uma só lei = a vida = Ninguém está separado de ninguém – Ninguém luta por si mesmo. Tudo é tudo e uno. A angústia e a dor. o Prazer e a morte não são mais que um processo para existir xxxx a luta revolucionária xxxxx neste processo é uma porta aberta para a inteligência. Tradução livre das duas páginas e da página seguinte.

 

Acabo de descobrir, sorte, a edição brasileira O diário de Frida Kahlo: Um autorretrato íntimo, com tradução de Mario Pontes e introdução de Frederico Morais (José Olympio, 2012).

 

 

Sobre Keila Knobel:

Depois de fazer carreira como Fonoaudióloga e Pesquisadora, viu-se diante de uma nova porta, esquecida na infância… Ao abrir essa porta, entrou n’A Casa Tombada (2016), onde fez a pós-graduação O Livro para a Infância. Desde então, tem estudado com outros artistas e escritores e explorado diferentes formas de expressão artística.

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