por Natália Barros
O desgaste político-miliciano parece querer sequestrar a linguagem, que deixa de criar significados para repetir infinitamente um retorno ao estéril – memes – do mesmo. Sob pressurização, sem espaço, sem entrelinhas. Zoom-Zumbidos. Burburinho-Bárbaro. Tagarelar- Babélico. As palavras que se instalam na linha de front, nas barricadas, são palavras roubadas. Palavras alinhadas. Palavras de prontidão. Palavras à serviço. Palavras de Ordem. Progressistas. Aliciadas. Alistadas. Palavras em linha de produção. Palavrarmada. Palavraria. Palavrório. Palavrices. Palaviral. Palavranão. Palavras estado de emergência?
Cecília Vicuña é uma artista chilena que trabalha simultaneamente, poesia, pintura e ritual, resgatando saberes indígenas sobre o poder da união e da realidade comunitária. Em 2017, a editora Medusa publicou o livro “PALAVRAR mais”, com tradução de Ricardo Corona. Seguem abaixo alguns trechos desse livro onde a artista recoloca a palavra como objeto vivo. Objeto tridimensional, táctil, têxtil. Palavra que abre caminhos e que é criação de subjetividades. A poeta nos convida a abrir, a desmontar, a arar a terra gretada das palavras, para que a gente resgate a palavradura, a palavrasemeadura do sentido comunal e poético mundo.
“Aproximar-se das palavras a partir da poesia, ou procurar
uma poética de palavras, é antes de qualquer coisa uma forma de perguntar.
Perguntar é sondar ou lançar o anzol para procurar o fundo
do mar.
Adivinhações e palavrarmais são uma forma primeira.
Outros sistemas de calendários ou numerais nos falam do que
veio e do por vir, mas a adivinhação do que somos e para quê,
só a palavra pode dar.”
“Eu morava ao pé do Plomo, estava escrevendo no meu quarto e de repente “vi” uma palavra montar e desmontar, dançar e mostrar-me suas partes, como se visse outra “realidade”, a da sua própria criação.”
“Cada Palavra é o registro da sua criação.”
“Palavrarmais: lavrar as palavras como quem lavra a terra é a única arma permitida.”
“Na poesia uma palavra insinua sua própria desmontagem.
Entrar nela é voltar a criação.”
“Já não há palavras velhas ou desgastadas (ou nunca houve), há somente modo se vê-las.”
“Palabrir é viver nas palavras, experimentá-las como se fossem recém-nascidas.”
“A linguagem da ciência de hoje se aproxima cada vez mais da poesia, ao empurrar a margem do desconhecido para dentro do conhecer.”
“Claro, um poema não muda o “mundo”, mas pode mudar a visão do mundo.”
“As primeiras perguntas se apresentaram
feito visão:
via palavras que continham uma pergunta
e uma resposta
ao mesmo tempo,
Chamei-as de adivinhações
Elas diziam:
a palavra é adivinhação
e adivinhar
é averiguar o divino
“Palabrir é a palavra que se abre
para que entre a luz”
“As palavras sentem amor umas às outras,
um desejo
que culmina na poesia.”
imagens: Cecilia Vicuña (Eman si pasión – Parti si pasión e Leopardo de nieve)