por Fabiana Carneiro
[sem título]
Ela ensaia uma cambalhota
e como quem desfaz um nó
me convida a rir
de seu movimento desajeitado
Nos olhamos
com a cumplicidade festiva de corações que já animaram um mesmo corpo
e agora buscam
cada um
a sua toada
Ela respira
E retraça a rota
para nova tentativa
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VIVA!
[grito meu serpenteia o céu da sala]
Abrigadas no tempo dos começos
Por um instante
Fazemos pouco da morte
que,
dona das ruas,
nos espia pela janela.
Umbigo
Como quem faz carinho
Em sua bisavó
Minha filha toca
Esse coração aberto
No centro do meu corpo-terra
Umbigo
Em idioma antigo
me grafa enredos
Que apenas a palma
da mãozinha dela
sabe ler
me lavra sonhos
Que quiçá a palma
da mãozinha dela
poderá colher
Eu Cariri
Aquela minha bisavó
De quem não vi retrato
De quem não ouvi relato
E muito menos documentação
Abriu no tempo
Uma picada
E me entregou um mapa
Todo ali o Cariri
Caninana, a minha dança
Semente-juá, meu olhar
Pequizeiro-em-flor, o coração
E língua essa é romaria-multidão
Dia após dia,
contra a queda do céu
aquela minha bisavó
me encontra
mas não me diz quem eu sou
Ela me olha
e na certeza de que eu sei quem ela é
me investe de esperança
sentida
feito chuva em mata seca
Fabiana Carneiro
Neta de Amada e de Quitéria, filha de Lourdes, mãe de Imani. Tece um caminho que alinhava docência, pesquisa e ações artísticas no campo dos saberes contra-hegemônicos, sobretudo a partir do eixo constituído por literatura, corpo e experiência comunitária. Doutora e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), atua como professora adjunta no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Concebeu e co-dirige a série Literatura inteira e o projeto artístico Mulher meio-fio. Coordena o Tessituras Negras: ateliê de leituras literárias e práticas pedagógicas (PROBEX-UFPB) e é autora do livro Ominíbú: maternidade negra em Um defeito de cor (EDUFBA,2019).