por Arturo Gamero
No estudo conforto minha alma, iludo minhas dores
E procuro dar voz às minhas aflições.
Que mais fazer abandonado nesta terra bravia,
Onde outro lenitivo para os meus pesares?
Se olho o país, é um país odioso; não há nada
Que possa ser mais triste pelo mundo afora.
E se olho os homens, mal merecem ser chamados homens,
Sua fereza é mais selvagem que a dos lobos:
Não receiam as leis, submetem-se a justiça à força
E o direito é vencido pelo gladio bélico.
Ovídio, Tristia, V, vii.
As insônias emagrecem o lastimável corpo,
A magreza escava-lhe a pele e a humidade do corpo
evola-se nos ares. Só restaram voz e ossos:
a voz vazia fica; os ossos, dizem, tomaram o aspecto de pedras.
Desde aí oculta-se nos bosques e em monte algum é vista,
E, porém, todos a ouvem: é tão só som o que vive nela.
Ovídio, Metamorfoses III, 396-400.
Todas as moradas
Minha voz! Exila-te de mim. Esvazia-te de tudo. O que era próximo e o distante. O dentro. O fora. Ao lado. A frente. Atrás. Corpo meu, evola-se. Humidade, volta-se de mim ao mar ao meu redor. Abre teus próprios abismos. Som da minha voz, evade. Escrita, torna-te labirinto macilento e invertebrado. Todas as moradas do silêncio em que nasci vivo, epicentro das flores, leito frutuoso do que não tem começo.
imagem:
Arturo Gamero, sem título, guache sobre papel, 2019.