20 lições de escrita por Wislawa Szymborska

 

por Renata Penzani

 

Não se pode esperar dos livros que nos ensinem aquilo que queremos aprender. Nos dias de sorte, eles nos pegam pela mão, e nos levam aonde precisamos ir. Com a biografia da poeta polonesa Wislawa Szymborska, Quinquilharias e recordações (editora Âyiné), foi assim. Não é um livro que se leia em uma semana, nem mesmo em um ano. Talvez seja desses acontecimentos que perduram pelo tempo inexato das coisas que precisam entrar em nós, por dentro. No meu caso, ele chegou pelo correio em junho de 2020, mas só agora escrevo sobre. E faço isso sem ter terminado a leitura, pelas mesmas razões da linha de cima.

Imagino que podem ser muito variados os motivos que levam alguém a ler uma biografia. Talvez se queira saber como eram os seus pais, a que tipo de família pertencia, onde estudou, quem foram seus amigos, se dormia com ou sem meias, se comia verduras ou fazia loucuras não confessadas nos livros. Saber, afinal, quais detalhes particulares constituem aquela pessoa pública.

Sobre Wislawa, por exemplo, até se pode vir a ficar sabendo uma, algumas ou todas essas coisas. O caso é que cada livro percorre o leitor de forma particular, e o que ficou para mim foram as declarações extrabiográficas. O que me interessa mais é aquilo que ela tinha a dizer não sobre si mesma, mas sobre o que a fazia ser ela mesma. Talvez porque ela mesma não achasse sua vida assim tão digna de nota (desconfio dos que se autoconsideram interessantes demais). “Fazer confidências publicamente é uma perda da própria alma. É preciso guardar algo para si mesmo”, ela dizia. “Esforço-me para não pensar em mim, e isso não é fazer fita ou charme para o leitor, é que realmente não estou no centro dos meus próprios interesses”.

Por isso, vou comentar aqui não os detalhes excessivamente calendariosos (essa palavra que eu eu acabei de inventar) de sua vida, como onde nasceu, se foi casada, se teve filhos e quantos, mas sim o que parecia ser, de fato, essa vida que era a dela: a escrita. E, mais especificamente, a escrita de poesia.

Este livro traz dicas e aprendizados valiosos demais para ficarem restritos àqueles que lerão o livro inteiro. Com toda a humildade e liberdade que me cabe neste espaço, peço licença para um gesto de ousada autopermissão, e transformar o que ela dizia sobre a escrita em uma lista (Ah, as listas! Sempre tão arbitrárias e aleatórias! E também uma delícia de consumir!).

Os itens elencados abaixo não seguem uma ordem linear. São trechos que aparecem aqui e ali ao longo do Quinquilharias e recordações, não estão concentrados em um capítulo só. Ainda assim, em sua maioria se referem ao período em que Wislawa trabalhou como redatora do Correio Literário, entre 1960 e 1968, avaliando textos de jovens escritores.  Vale dizer que o que mais me animou a fazer essa lista é que Wislawa – e foi este livro que me contou – costumava se esquivar de toda e qualquer pergunta sobre seu processo de escrita pessoal. É o que dizem as jornalistas Anna Bikont e Joanna Szczesna, biógrafas do livro Quinquilharias: “Ela repetia que não tinha nenhum programa poético. Tinha apenas um lema, do amado Montaigne, que, em seu tempo, clamava: ‘vejam quantas extremidades têm esse bastão!’. Esse lema era para ela um modelo inalcançável da arte de escrever, e um estímulo constante para transcender a obviedade com o pensamento”.

 

 

Então, como se compartilhássemos segredos íntimos sobre a poesia, vamos a ela, a lista:

 

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20 lições de escrita (portanto, de vida), por Wislawa Szymborska

1. “A poesia começa além da obviedade.”

2. “A poesia é, foi e será um jogo, e um jogo sem regras não existe. Sabem disso as crianças. Por que os adultos esquecem?”

3. “A expressão por que é a mais importante da língua terrestre, e provavelmente das línguas de outras galáxias, e o poeta deve conhecê-la e fazer uso dela com propriedade.”

4. Em cada poema, trata-se de sentir que exatamente aquelas palavras, e não outras, esperaram por séculos para se encontrarem.”

5. “Essas são as mesmas palavras que jazem mortas nos dicionários ou que vivem uma vida apagada na fala coloquial. Como é possível acontecer que na poesia elas brilhem festivamente, como se fossem inteiramente novas e apenas há pouco inventadas pelo poeta?”

6. “Gostaria que os livros fossem suficientemente interessantes para afastar os pensamentos das preocupações diárias, mas também suficientemente soníferos para que, no momento adequado, caíssem das mãos.”

7. “Seria maravilhoso e justo se a força dos sentimentos decidisse por si só sobre o valor artístico de um poema.”

8. “A leitura de livros é a mais bela das diversões que a humanidade inventou. O Homo ludens dança, canta, faz poses, banqueteia-se e realiza cerimônias sofisticadas. Não subestimo a importância dessas diversões […]. No entanto, elas são uma atividade coletiva, sobre as quais se eleva, com maior ou menor intensidade, o fedorzinho dos exercícios coletivos de ordem-unida. O Homo ludens com um livro é livre.”

9. 40 anos. Para um poeta, essa era a melhor idade. “A pessoa já conheceu muitas coisas e ainda é capaz de sentir emoções vivas e fortes. Está ciente da complexidade das coisas, mas algum tempo ainda a separa da desistência. Existe dentro dela amargura, vários sabores acres e temperos estimulantes que não eliminam o sentimento de beleza da vida. Um equilíbrio assim instável e nada mau.”

10. “Até o poema mais lindamente planejado naufraga, como uma embarcação repleta de água.”

11. “De nenhum modo é mais fácil escrever em verso livre; sabem disso os poetas. Mas, para saber, é preciso escrever de um jeito e de outro.”

12. “Desde que o mundo é mundo, não houve aquele que contasse as sílabas nos dedos. O poeta nasce com ouvido.”

13. “Tanto faz saber se Atlântida existiu ou não; para nós ela traz muitas vantagens, é necessária como exercício de imaginação. Afinal, não vale a pena viver desperdiçando toda a fantasia em temas práticos.”

14. O humor é o irmãozinho mais novo da seriedade. O humor é uma ligação orgânica entre a tristeza e a comicidade. A arte de divertir é uma habilidade terrivelmente séria.”

15. “A obrigação da família é elogiar e incentivar (as primas, principalmente, devem gostar de tudo). Mais obras-primas foram criadas graças a amigos céticos do que a entusiastas”.

16. “Uma namorada que consegue dizer na cara do seu prometido que as rimas que ele compõe são pobres é um verdadeiro tesouro.”

17. “A poesia é uma área que atrai pessoas birutas.”

18. “Não é verdade que a criança tenha a maior das imaginações. A imaginação cresce com a pessoa.”

19. “O poeta pensa com imagens.”

20. “A essência do poeta é  a crença nos misteriosos poderes  adormecidos em cada coisa. E a convicção de que, com a ajuda de palavras habilmente selecionadas, consiga mover esses poderes.”

“A alma é muito caprichosa, e procura momentos bem apropriados para mostrar que existe. O momento em que o ser humano está aberto para coisas mais elevadas que a cotidianidade é para mim a alma.”

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