Como foi que cheguei aqui?, por Ângela Castelo Branco

 

por Ângela Castelo Branco

 

 

melhor seria: “como foi que chegamos até aqui?” porque nunca se chega sozinho, ou nunca se chega, mas esse é apenas um convite:

 

1- geralmente por modelo, imita-se muito

tem um tanto de aberração, mas é quase nunca

também move-se por ambiguidade e espanto

(e todas as vezes que a mediocridade foi assumida, avançou-se kilômetros)

 

2- era preciso também calibrar qual foi o instante

em que as tvs (essas que ficam bem no meio de nós)

começaram a ficar maiores

tão grandes quanto o nosso passado

 

3- e conseguir te dizer que faço as batatas com casca e, no entanto, procuro exatamente as partes sem casca para comer

 

4- talvez não se possa mesmo garantir um estar aqui. vê-se um copo só depois de passar pelo copo. só bem depois, quando ele quebra

 

e tem ainda esse fato incontornável -estamos com dificuldades de mudar de canal-

e não sabemos se é um problema do controle remoto ou se ficamos totalmente sem sinal

 

mas,

se posso dizer que ainda estou aqui,

é porque ando agarrada numa cerca,

ou melhor, no que sobrou de uma cerca

um toquinho de eucalipto

em meio à terra revirada dos tratores

estou agarrada naquele toquinhozinho de eucalipto

essa árvore que plantamos

depois de desmatar

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