Encontro com Eva Furnari: reflexão, acolhimento e resistência pela leitura

Uma das autoras mais importantes de nossa literatura para a infância retorna à Casa Tombada para abrir o ciclo de palestras COMO NASCE O DESEJO DE LER, iniciativa do Programa de Extensão do curso de Pós-Graduação O Livro Para a Infância d’ A Casa Tombada

Por Ana Carolina Carvalho*

Aos poucos, o movimento aumentou na área externa d’A Casa Tombada na noite da última terça-feira. Os visitantes acomodavam-se nas cadeiras espalhadas pela área externa do nosso espaço à espera da abertura do Ciclo de Encontros Como Nasce o Desejo de Ler, evento promovido pela coordenação do curso de pós-graduação em O Livro para a Infância, com o intuito de promover conversas sobre ações de leitura em nosso país. A expectativa pairava no ar: era uma Casa cheia de gente que ama livros e com uma vontade imensa de compartilhar essa paixão, contagiar o outro. Acima de tudo, pessoas abertas a novas perspectivas do pensamento para ouvir Eva Furnari, com seus quase 40 anos de carreira, falar sobre como nasce o desejo de ler.

A espera era justificada: Eva, uma das principais autoras de literatura para infância no Brasil, é admirada por professores, pais e, sobretudo, por centenas de crianças nos mais diversos territórios da educação. Seus livros inesquecíveis – sejam as séries com a personagem Bruxinha, as neuroses de Felpo Filva, os jogos de palavras de Assim Assado, Zig Zag ou Você Troca? ou as adoráveis famílias do premiado Drufs – estão presentes na maior parte dos acervos de livros no Brasil (e Portugal, Itália e Inglaterra têm se divertido muito com ela também). Naquela noite fria, em um bate-papo cheio de humor e de histórias, como ela sabe fazer com riqueza e tamanha lucidez, Eva convidou a plateia não apenas para falar sobre o seu jeito de pensar a escrita e a imagem nas narrativas dos livros ilustrados, mas para uma reflexão sobre a literatura, cheia de substância e detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos aos nossos olhos já acostumados à velocidade de um mundo que não tem mais fronteiras e da tecnologia digital. “A gente quer que nossas crianças leiam, mas será que nós temos tempo para ler? O tempo da leitura é como andar de bicicleta. O tempo da internet é como andar de avião a jato. E a nossa alma não anda de avião a jato. Luto, cotidianamente, para sentar e esperar a alma chegar”, diz Eva.

Com a voz firme e afetuosa, Eva Furnari leu três histórias para a plateia – O pote vazio (Demi, Martins Fontes),  El niño que tenía dos ojos (J. L. Sánchez e M. A. Pacheco, Editora Altea) e Mamãe Zangada (Jutta Bauer, Cosac Naify) ­–, levando cada um que estava ali a sentir como aquelas palavras nos tocava. Queria provocar a plateia ao diálogo. Queria, talvez, nos aproximar, dizer de onde ela fala: “Se eu escrevo para os outros ou para mim mesma? Escrevo a partir do que eu sinto”. Por isso, para ela sentir é tão importante. Como escritora de textos e imagens. Como leitora. Encantar-se. E, para ela, dos encantamentos nasce o tal desejo de ler. No livro, segundo a escritora, os encantamentos são muitos: é possível render-se por causa da estética, da plástica das ilustrações; da narrativa que tem um ritmo todo próprio e envolvente; das questões éticas e humanas abordadas em cada história; da jornada do herói com a qual todos nós nos identificamos; e ainda da força do simbolismo e do humor. Talvez para nos transportar a nós mesmos, rirmos do que somos e esperançar o que podemos ser.

 

“O livro infantil e a literatura são um oásis de reflexão e de estética genuína”, diz a autora, lembrando que os encantamentos das crianças muitas vezes são silenciosos, mas não devem jamais ser desprezados. “As crianças entendem. Elas não precisam de explicação.” E o humor, Eva? De onde vem o seu jeito de rir tão gostoso e leve e de fazer os outros rirem? “Acho que preservei a pureza, a verdade, da minha infância. Eu sempre fui uma criança muito quieta, falava pouco, mas observava muito. E ria muito. Os adultos me provocavam apenas para me fazer gargalhar. Teve um tempo que eu perdi esse humor. Mas, resgatei-o nos livros. Também me identifico muito com as crianças: elas têm alegria, o prazer de dar risada e da brincadeira.”

Em tempos de crise, como a que o nosso país atravessa e que clama tanta reflexão, Eva se inspirou na fala da professora Natália Tazinazzo Kalagar e nos convocou a resistir pela literatura. “É uma resistência pela delicadeza”, salienta. O tempo do livro, da narrativa, da apreciação, das verdades contidas em palavras tão simples é necessário para não deixar a esperança esmorecer. Sim, um ciclo de encontros para pensar a literatura e os livros que tanto amamos. Mais: encontros para que haja troca de pensamentos e ideias, como A Casa Tombada tão bem sabe fazer, e como Giuliano Tierno, um dos diretores e idealizadores do espaço, falou ao abrir a rodada: “Um espaço para que haja troca a partir da presença. Que a experiência humana seja mediadora do pensamento”.  Uma grande noite de estreia!

 

O ciclo continua até 30 de outubro! As inscrições estão em nosso site e mais informações, nesse link: http://acasatombada.educacao.ws/ciclo-de-encontros-como-nasce-o-desejo-de-ler/. Se não puderem vir, acompanhem aqui, em nosso blog, e fiquem de olho em nossas redes que teremos mais notícias sobre os encontros!

 

* Ana Carolina Carvalho é jornalista há mais de 20 anos, mãe de de dois meninos e aluna do curso de pós-graduação O Livro Para a Infância desde fevereiro deste ano.

Como nasce o desejo de ler

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