Os nossos tantos desejos de leitura

Por Ana Carolina Carvalho*

Era terça-feira outra vez e a Casa estava preparada para receber mais um convidado da 1a edição do Ciclo de Encontros Como nasce o desejo de ler, promovido pela coordenação do curso de pós-graduação O livro para a infância, d’A Casa Tombada. Dessa vez, foi Leonardo Tonus, escritor e professor de Literatura Brasileira na Sorbonne, a famosa universidade francesa, quem provocou a plateia com seus pensamentos sobre o desejo e a leitura. Alunos da casa, ex-alunos de Leonardo em Paris, autores, Simone Paulino, publisher da Editora Nós (que publica os livros de Léo no Brasil, como o recém-lançado Agora vai ser assim), Cristiane Rogerio, a coordenadora da pós, ocupavam todos os cantos da casa, descontraídos, antes do bate-papo começar. Leonardo Tonus estava ali para, como disse Cris Rogerio na abertura do encontro, “fazer mais uma conversa diferente de como nasce o desejo de ler. Desmistificar algumas regras da leitura, do que ler, do que é esse desejo de ler”.

E foi justamente o desejo que nos move o tema de Leonardo naquela noite acolhedora, a sua primeira vez na Casa. Na véspera, ele tinha chegado de Paris e, ao fim do encontro, partiria logo para Assis a fim de participar de um colóquio no dia seguinte. Mas o tempo que Leonardo dedicou ao ciclo foi precioso. Mais, como ele mesmo definiu, “instigante”. Sim, Leonardo, logo nas suas primeiras palavras, questionou: “Como fazer nascer o desejo da leitura? A leitura, será que ela ainda pode ser pensada como uma manifestação de um desejo sobretudo na prática da educação nas escolas, nas universidades? Que relações podem ser estabelecidas entre leitura, saber, aprendizado e o campo dos afetos?”.

Léo citou pensadores franceses, como Gilles Deleuze e Proust, para explicar o conceito de desejo. Da filosofia de Sartre, explicou: “O desejo humano potencializa a nossa humanidade. Segundo ele, o homem é fundamentalmente desejo. Desejar equivale aqui a uma força, a uma potência presente da existência humana”. Mas foi na Mitologia Grega que ele encontrou um ponto de partida para a sua própria história com a leitura e os livros. “Dizem que os gregos colocavam a carência como a origem de tudo o que desejamos na vida. Para eles, esse gosto de escassez, de insuficiência, de insatisfação seria a grande faísca que dá partida às nossas ações, planos e sonhos. A minha relação com a leitura tem seu início no espaço da penúria e da carência do próprio objeto-livro.”

Descendente de uma família de imigrantes italianos e portugueses, “iletrados, analfabetos ou que mal conseguiam se expressar em português”, Leonardo teve seu primeiro contato com a leitura por meio da famosa enciclopedia Barsa, o único livro da casa. A avó portuguesa, aos 60 anos, foi cursar o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização criado pelo governo do Brasil durante a ditadura militar) para aprender a assinar o próprio nome e a contar histórias para os netos. Só mais tarde, aos 12 anos, descobriu, de fato, o gosto pelos livros. Uma professora do 6o ano, na época bastante preocupada com a ausência de leitura da turma, adotou um novo jeito de avaliação. Os alunos poderiam ler o que quisessem e a nota seria a partir do número de páginas vencidas. Foi aí que Léo descobriu a biblioteca municipal da sua cidade e o gosto da liberdade da escolha. Logo rendeu-se às mais diferentes obras, como Sidney Sheldon e Stephen King, mas, na década de 1980, encantou-se pelo estudo de Letras. De Literatura. Da relação que se constroi entre livros, pessoas, história. Saiu do Brasil para desbravar esse novo mundo na Europa.

Mesmo depois de 30 anos longe do país, o professor da Sorbonne não deixa de olhá-lo com atenção. Nas aulas que ministra na reconhecida universidade francesa, fala português e convida quem frequenta o seu curso de mestrado a ouvir a sua língua natal e a pensar na literatura produzida aqui. Lá, Leonardo coloca em prática a proposta do encontro dessa terça-feira: lança em seus ouvintes uma semente de desejo pela leitura, pela literatura.

“Convidar à leitura é sempre praticar uma vivência do acolhimento, do refúgio, é favorecer ao outro um lugar da cortesia, da bondade, mas também da responsabilidade. A partir disso, requer pensar a possibilidade de abertura ao outro, de respeito ao outro. Pensar a criação do vínculo, vinculo que só é favorecido quando se autoriza a entrada do outro em um espaço sem reservas, sem desconfiancas, ajudando-o a se sentir seguro, algo que somente ocorre quando nos sentimos acolhidos nos espaços do acolhimento: a casa, a vida, a história ou, talvez, a leitura”, comenta o professor.

Mas Leonardo vai além da sala de aula para cumprir o seu propósito de despertar o desejo de ler no outro. Em 2014, ele criou a Primavera Literária Brasileira, evento durante o qual reúne escritores brasileiros para divulgarem a sua escrita. “Nós perdemos o hábito de compartilhar histórias, de pensar o outro”, diz Léo, lembrando que é preciso perder o medo do livro, o medo da leitura. A Primavera de Léo já atravessou as fronteiras para espalhar sementes de leitura: lançada na França, passou pela Alemanha, pela Bélgica, por Luxemburgo e, no primeiro semestre deste ano, desembarcou nos Estados Unidos.

Finalmente, Leonardo, assim como faz com seus alunos em Paris nas aulas de análise literária, convida todos a virar o texto ao contrário a fim de fazer brotar o desejo da leitura: “O que você leu? O que fez você chorar? Desconstrua o texto para conhecê-lo”. Na entrelinha, encontre o encantamento, faça o desejo acontecer.

O ciclo continua até 30 de outubro! As inscrições estão em nosso site e mais informações, neste link: http://acasatombada.amarelinha.cc/ciclo-de-encontros-como-nasce-o-desejo-de-ler/. Se não puderem vir, acompanhem aqui, em nosso blog, e fiquem de olho em nossas redes que teremos mais notícias sobre os encontros!

 

* Ana Carolina Carvalho é jornalista há mais de 20 anos, mãe de de dois meninos e aluna do curso de pós-graduação O livro para a infância desde fevereiro deste ano.

Como nasce o desejo de ler

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